10 de junho de 2015 | N° 18189
MARTHA MEDEIROS
Sentido anti-horário
Há 16 anos, publiquei um texto no Dia dos Namorados intitulado “O dia do
amor”. Eu defendia o 12 de Junho como uma oportunidade para celebrar os
sentimentos, as emoções, o afeto, enfim, tudo o que une duas pessoas, não
importando qual o seu sexo. O resultado foi uma chuva de mensagens calorosas e
concordantes. Na época, me chamou a atenção o fato de eu não ter recebido
xingamentos ou reações preconceituosas. Pensei: estamos evoluindo.
De fato, 16 anos atrás estávamos mais adiantados.
Hoje, deparo com essa onda moralista de solicitar boicote pra novela,
boicote pra propaganda, boicote pra qualquer coisa que envolva cenas de
homossexualidade e tento entender a razão do retrocesso. Avançou-se demais, foi
isso? Parece que foi isso.
Enquanto o assunto ficava restrito a teorias, era fácil ser civilizado.
Aceitava-se que homossexuais pudessem jantar fora e trocar presentes no dia em
que todos os namorados faziam o mesmo, desde que longe dos olhos da família
tradicional brasileira. Ficando no gueto deles, tudo certo.
Hoje, os personagens gays da tevê não são caricatos, se beijam,
trabalham e têm família – credo, até parecem normais. Foi só dar a mão que eles
tomaram o braço.
Deve ser esse o pensamento de quem se escandaliza com um comercial
singelo como o do Boticário ou com o fato de duas octogenárias trocarem um selinho
na novela das nove. Acredita que invadiram seu latifúndio e agora tenta evitar
que o inimigo tome posse. Que inimigo? Também não sei.
Entendo que muitas pessoas se sintam constrangidas diante de cenas de
carinho explícito entre gays. É algo ainda novo e estima-se que o costume com a
situação venha com o tempo, mas o que me espanta é que 16 anos atrás não se
fazia tanto escarcéu. Nas redes sociais, hoje, é comum publicarem pérolas como
“a Globo está em campanha para nos empurrar goela abaixo a homossexualidade, só
porque lá dentro tem um monte de gays”. Pois é, nas outras empresas, não tem.
Dentro das famílias, não tem. Na praia, não tem. Nas academias, não tem.
Nas universidades, não tem. Nas favelas, não tem. Só dentro da Globo. Só
artista é gay. Engenheiros, professores, advogados, atletas, políticos,
empresários, jornalistas, cozinheiros e demais profissionais estão imunes.
Houve alguma campanha de vacinação?
Até o Papa flexibilizou, mas não adianta: em nome da religião, logo
dela, segue-se difundindo por aí a intolerância e a mesquinhez. Luta-se contra
algo que jamais vai acabar: a pulsão de amor e desejo entre dois seres humanos,
que é coisa bem antiga. Novidade é este desespero agora. Algum hétero está
sendo convocado a aderir ao mundo gay? Que eu saiba, todo mundo continua livre
para viver sua sexualidade como preferir.
Taí uma discussão que perdeu o timing. Acabou ficando meio ridícula.
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