segunda-feira, 8 de junho de 2015



08 de junho de 2015 | N° 18187

DAVID COIMBRA



Os medrosos

O medo não é o oposto da coragem. O medo não é ruim; é bom, porque serve de sinal de alerta. É um aviso do seu cérebro e de todo o seu conjunto de percepções de que há uma ameaça ali adiante. Kant, quando criticou a razão pura, falava exatamente sobre esse conjunto de percepções, algo que vem antes da experiência, algo de bicho, que às vezes você chama de reflexo, às vezes de intuição.

É importante prestar atenção no medo, portanto, refletir sobre ele antes de tomar uma decisão. Se estou sentindo medo, talvez tenha de ter cautela. A cautela é boa amiga da inteligência.

Mas o medo em demasia paralisa e, aí sim, se transforma em covardia. Você sente tanto medo, que não consegue fazer o que faria com facilidade se não sentisse. Medo demais tira a naturalidade.

Gosto muito da história da guerra dos germanos contra os romanos, na Antiguidade. Os romanos descreviam os germanos como gigantes loiros, de longas barbas e longos cabelos, selvagens e indômitos. Numa das primeiras incursões dos legionários pela Gália, eles marchavam com certa apreensão pelas florestas sombrias da Alemanha quando um enorme bando de (literalmente) bárbaros assomou de entre as árvores, urrando como animais, correndo com os olhos azuis esbugalhados e os dentes à mostra, feito feras, as armas brandindo acima das cabeças amarelas. Os legionários, ante aquela visão aterradora, ficaram de fato aterrorizados e fizeram o que eu faria no lugar deles: correram.

Os decuriões e centuriões tiveram muito trabalho para formar pelotões com soldados mais experientes e disciplinados que, enfim, empregaram a perícia das legiões para derrotar os germanos, mostrando aos outros que não era preciso sentir tanto medo assim.

Em outra batalha, ocorreu o seguinte: os romanos trouxeram leões da África a fim de açulá-los contra os germanos. O encontro entre os inimigos se deu à beira de um rio. No momento em que os bárbaros se preparavam para investir, os romanos abriram as jaulas e soltaram os leões. Os germanos, vendo aqueles animais que eles não conheciam, pensaram que se tratava de grandes cachorros amarelos e mataram todos.

No primeiro caso, os romanos perderam a batalha porque deram importância excessiva ao medo que sentiram. No segundo, os germanos venceram porque não sentiram medo algum. O futebol é o maior esporte do mundo porque consegue demonstrar, em um único jogo, esses vitais sentimentos humanos que se tornam expostos na guerra. No futebol e na guerra, a cautela é tão fundamental quanto a coragem.

Sábado, vi pela TV um dos mais medrosos times que o Grêmio montou em 112 anos de história. Um time que fica resumido por uma cena do final da partida: o São Paulo tocava a bola na intermediária sem ser acossado, enquanto a torcida gritava olé nas arquibancadas. A bola rolava de pé em pé, como se os jogadores do São Paulo estivessem brincando antes do treino. Só um jogador do Grêmio corria atrás: o uruguaio Braian Rodríguez, um centroavante que não marca gols.

De repente, o uruguaio se irritou, parou de correr e olhou para seus companheiros acuados no campo de defesa. Gritou com eles, gesticulou, censurou-os. Então eles não iam jogar? Iam ficar assistindo?

Foi o que eles fizeram. Ficaram assistindo.

O Grêmio é um time cheio de problemas, e não estou dizendo isso agora, depois da derrota para o São Paulo. Disse depois da vitória sobre o Corinthians. Trata-se de um time mediano, não mais do que isso. Mas nenhum defeito técnico é pior do que sua falta de coragem. Não falta de gana ou de garra; falta de coragem. No futebol, como na vida, é preciso ter bastante coragem para saber vencer, mas muito mais para saber perder.

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