16 de junho de 2015 | N° 18195
DAVID COIMBRA
O braço de Deus
Por que existe o Estado?
Obviamente, por causa de Deus.
Deus pode ser onipresente e onisciente, mas quem saberá de
seus desígnios? Quero dizer: qual é a lógica do Universo? Como as coisas têm de
ser feitas para darem certo? Se os justos são abençoados, como se explica a
injustiça do mundo? Por que sofrem os inocentes? Por que Deus não faz alguma
coisa, afinal?
As pessoas esperam proteção de Deus, mas há quem diga que o
Bem só derrotará de fato o Mal depois do Armagedom, nas fímbrias do Juízo Final.
Até lá, temos de nos virar com enchentes, secas, doenças, assaltos à mão armada
e os diretores da Petrobras.
Então, na falta da ação direta do braço de Deus, o que
fazemos?
Criamos o Estado.
A função do Estado é dar segurança às pessoas. Você precisa
de alguém que te dê segurança, senão você dança, cantavam com sabedoria os
velhos Engenheiros. E é verdade. Sem segurança, as pessoas dançam. Fisicamente
e emocionalmente. Tudo é casa, comida e sexo, dizia Freud. Por “casa”, entenda “segurança”.
Que não se resume à segurança pública. Não. Segurança é a
garantia de que seu filho terá boa escola; a garantia de que, se você ficar
doente, terá atendimento médico; a garantia de que, na velhice, haverá quem
zele por você; a garantia de que, se você tiver um contencioso com outro ser
humano, uma entidade acima de vocês resolverá a questão.
O Brasil é um país inseguro porque seu Estado, apesar de
gigantesco e pesado, é fraco e leniente.
Os Estados Unidos atenderam às demandas por segurança
tornando-se um estado judicial. Por aqui, se uma pessoa se machuca ou se sente
lesada, ela apela para a Justiça. Se vencer, alguém será responsabilizado, e a
pena é sempre pesada.
Outro dia, um cano estourou no pátio de um supermercado
daqui. Começou um vazamento d’água, que é o que acontece quando canos estouram.
O gerente do supermercado informou a prefeitura. Em cinco minutos, chegaram
dois carros de polícia, um de bombeiros, mais um da prefeitura. Em 10 minutos,
o supermercado foi esvaziado e fechado, e a circulação da rua foi interrompida.
Por causa de um vazamento d’água!
Um brasileiro olha para isso e acha um exagero. Só que o
dono do supermercado sabia que, se não avisasse a prefeitura e alguém
escorregasse na água e se machucasse, seria responsabilizado por isso, e as
consequências seriam terríveis. Os policiais e os bombeiros, da mesma forma,
sabiam que tinham de fechar o supermercado, ou eles é que se transformariam em
culpados por algum acidente, com consequências igualmente terríveis. E a
prefeitura sabia que, se não consertasse logo o defeito, seria responsabilizada
pelo tempo de fechamento do supermercado, com consequências... bem, terríveis.
Nos Estados Unidos, o Estado não é dono de companhias petrolíferas,
nem tem a exclusividade do serviço dos correios, mas está sempre presente. O
Estado fiscaliza, cobra e pune. O longo braço da lei americana é de fato longo.
E forte. Como há de ser o braço de Deus.
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