19
de junho de 2015 | N° 18199
DAVID
COIMBRA
Uma
causa para viver
Gastei
um bom dinheiro para comprar a autobiografia do Malcolm X, escrita em colaboração
com Alex Haley, o autor de Negras raízes. Custou caro, porque não encontrava o
livro em lugar algum. Mas valeu a pena. Malcolm X viveu uma vida cinematográfica,
e Haley soube imortalizá-la em papel. Ainda vou escrever mais sobre esse livro.
Por
ora, quero me deter nos últimos acontecimentos. Um em especial: a história
ilustrativa daquela líder de uma entidade de defesa dos afro-americanos, que é branca
de leite e se fez passar por negra.
O
caso dessa moça é curioso. Nas fotos e nos filmes da adolescência, ela aparece
loira como uma Xuxa. Para transformar-se em negra, passou por um processo de
escurecimento da pele e encrespou os cabelos até ficarem ao estilo black power.
Rachel,
esse o nome dela, Rachel é meio que o oposto de Michael Jackson, que nasceu com
cabelo duro, nariz batatudo e pele negra, e morreu com cabelo ondulado, nariz
fino e pele esbranquiçada. Ela é o contrário, também, do atacante Carlos
Alberto, do Fluminense, um mulato que, antes de entrar em campo, no começo do século
20, tapava o rosto de talco a fim de parecer branco. As torcidas adversárias,
debochadas, gritavam das arquibancadas: “Pó de arroz! Pó de arroz!”. Era uma
tentativa de constranger Carlos Alberto e envergonhar o Fluminense, mas, como sói
acontecer no futebol, a torcida do Flu incorporou o apelido e ele virou símbolo
do clube.
Um
dos maiores jogadores do futebol brasileiro em todos os tempos, o lendário
centroavante Friedenreich, que, dizem, marcou mil gols, fazia algo parecido. Fried
era filho de um alemão com uma negra brasileira. Para desmanchar o cabelo
pixaim, untava a cabeça de óleo no vestiário e consumia horas diante do
espelho, espichando os fios.
Esses
exemplos bem mostram como os negros eram discriminados no Brasil, após a abolição
da escravatura. O racismo era “natural”, pode-se dizer. Depois, a discriminação
racial misturou-se com a discriminação social. O negro pobre e o branco pobre
sofrem juntos, no Brasil, e pelo sofrimento acabaram por atingir certa
igualdade.
Mas
esse é tema para outra crônica. Agora me ocupo de Rachel. Ela tem irmãos
adotivos negros, provavelmente testemunhou o preconceito. Não havia nada, porém,
que a forçasse a experimentá-lo em pessoa. Portanto, ela quis viver a
discriminação, quis tornar-se negra e, mais, decidiu dedicar sua vida ao
combate ao racismo.
Não
creio que Rachel tenha feito isso para colher qualquer vantagem material. Ela
decerto é sincera em sua atuação. E é isso que é o mais interessante: as
pessoas estão sempre em busca de um sentido para suas vidas. Uma causa, uma única
causa, se elevada, pode elevar também aquele que combate por ela. Bater-se
contra o preconceito é bonito. Rachel, de certa forma, é um símbolo deste nosso
tempo de pessoas que estão sempre à procura: à procura de um amor, de uma
ideologia, de uma paixão, de uma bandeira, até de um ódio, tanto faz. É preciso
haver uma razão para se estar por aqui, respirando debaixo do sol.
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