terça-feira, 9 de junho de 2015



09 de junho de 2015 | N° 18188
ARTIGOS - GILMAR BORTOLOTTO*

A CONTA

Gostaríamos que não fosse verdade, mas é. A matéria intitulada “Os donos da cidade” –ZH do dia 6 de junho –retrata a mais pura realidade quando afirma que a Capital foi “loteada” por facções que disputam o controle do tráico. Os entrevistados disseram que detidos por tráfico logo são substituídos e que as articulações do crime sã realizadas nas galerias dos presídios.

Como chegamos a tal ponto?

Formalmente, o crime inicia um ciclo que contempla investigação, processo e cumprimento de pena. Teoricamente, é o que fazemos. Investigamos, processamos e prendemos. A pauta, aqui, deveria ser a da racionalidade. Não é assim.

Ao longo do tempo, a intolerância passou a ser o sentimento que domina quando o tema é a punição. O clamor é pela eliminação do delinquente, o que se compreende quando quem o expressa é a vítima. Acontece que, aos poucos, a irracionalidade tornou-se política pública.

Então, intencionalmente ou por omissão, os presídios foram deixados ao abandono. Talvez isso tenha ocorrido para atender ao tal clamor popular. Gestou-se uma cultura baseada no silêncio e na indiferença, plenamente instalada em locais onde tudo pode e tudo tem explicação; uma espécie de vingança tolerada.

O sistema prisional brasileiro não oferece qualquer chance real de recuperação. Transformou-se em academia de formação e agravamento de perfis delinquentes. O tema ensinado é o ódio.

O crime organizado já percebeu que pode utilizar os presídios para acolhimento e formação de soldados do ilícito e faz isso com maestria. Por isso investe no espaço que lhe foi concedido. Ali e a partir dali é que se formam e agem as facções.

Temos que disputar mão de obra com as facções, recuperando depois de prender.

O Estado parece não se dar conta disso. Mergulhado na intolerância, segue aplicando ideias velhas, que, diz, serviriam para recuperar o infrator. Quando tais práticas refletem na alta reincidência, vem a desculpa: são irrecuperáveis. Mudar o método, jamais. Então, a consequência é óbvia: repetição.

Não há mais como fugir do tema. O que criamos nos atinge. Cada preso que rejeitamos, as facções acolhem. Ele recebe a “doutrina” e volta para agredir.

O loteamento da cidade começou nos presídios e pode ser revertido. Buscar saídas é a nossa parte. O débito é antigo. O que a matéria revela, agora, é a conta.


Procurador de Justiça*

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