21 de junho de 2015 | N° 18201
NO ATAQUE | Diogo Olivier
A dona da braçadeira
MICHELE MARIA, Capitã do 1º Batalhão de Operações Especiais (BOE)
de Porto Alegre
Ela não é Nascimento como o do cinema, eternizado pelo ator
Wagner Moura. Mas é capitão de elite tanto quanto. Ou melhor, capitã. Gaúcha de
Santa Maria, advogada, 36 anos, dançarina de jazz, solteira, 1m73cm, sem
namorado, treinada em artes marciais combinadas, falante mas capaz de se
esquivar de temas nos quais boca fechada é sabedoria, Michele Maria Sagin da
Silva é a primeira mulher a alcançar o cobiçado oficialato no 1º Batalhão de
Operações Especiais da Brigada Militar (BOE), em Porto Alegre.
Michele se acostumou a esfarelar paradigmas. Entrar para o
BOE, onde é preciso combinar tirocínio, fortaleza psicológica e potência física
é apenas o mais expressivo. Mas há outros, prosaicos, que a gente nem imagina. Arrumar
um jeito de aprisionar as longas madeixas cacheadas dentro do capacete é um
deles. Diziam que teria de cortar o cabelo. Não cortou. Segue as regras de
corporação no uso de maquiagem suave para os olhos verdes.
Pois Michele, com seu amplo currículo militar, agora
trabalha em jogos de Inter e Grêmio. A qualquer momento pode ser requisitada a
atuar no corpo a corpo destas badernas de organizadas, cujas rixas já produziram
mortes e depredação de toda espécie.
– Se tiver que entrar, eu entro. Se o sujeito perceber que
tu sabe, e eu sei, pode apostar que eu sei, ele recua na hora. Sou treinada. É só
focar na técnica, não tem mistério.
Eu é que não vou duvidar da dona da braçadeira.
É mais difícil para uma mulher entrar no BOE?
O que eu mais ouvia era: “Você vai ficar na parte física”. Eu
me entreguei de corpo e alma ao Curso de Especialização em Operações de Choque.
Foram 45 dias intensos. Você faz tudo de colete, capacete, o equipamento do dia
a dia. Sem condicionamento de longa data, sem uma memória física, não entra. Mas
além da força, física e mental, é crucial a determinação. Trata-se de quebrar
paradigmas. Era o meu sonho, desde que me formei em Direito. Lutei muito para
estar aonde estou, nestes 9 anos de corporação e dois na Academia de Polícia.
Você está falando de machismo?
A sociedade é machista. Todo mundo sabe disso. O Rio Grande
do Sul, mais ainda. Mas já não é como antes. E tem também o lado do conformismo
da própria mulher, que termina sendo levada sempre para o lado da gestão, da
administração, em vez do trabalho físico que exige embate. Por que não pode?
Pode, sim.
Tem vestiário feminino para você no BOE?
Não, pois sou a primeira mulher. Mas fico no alojamento das
mulheres praças sem o menor problema. Somos uma equipe, e elas também são
pioneiras. No futuro, com mais mulheres oficiais, certamente construirão um. É o
que te falo, dos paradigmas.
E as piadinhas machistas?
Nunca ouvi na BM (Michele chefiou a terceira seção do 2º BOE
de Santa Maria; o 4º Pelotão da 1ª Companhia do 7º BPM em Crissiumal e, no 15º BPM,
esteve à frente da Companhia de Operações Especiais). É uma questão de postura.
Sou muito profissional. A conduta no BOE é rígida e respeitosa para todos,
homens e mulheres. É bem tranquilo.
E o possível cara a cara com a violência dos barra-bravas?
Já atuei em jogos, de prontidão. Sou combatente. Sou
choqueana. Se tiver de entrar no estádio para resolver alguma confusão, eu
entro e não tem conversa. Se o sujeito perceber que tu sabe o que está fazendo,
e eu sei, ele recua. Nunca tive problema com isso por ser mulher. É uma questão
de técnica, de treinamento. Você vai lá e faz. É o nosso trabalho.
Não dá medo? (Risos) Tá falando sério?
Para que time você torce?
(Mais risos) Brigada Militar Futebol Clube.
Aonde a capitã Michele Maria quer chegar?
O meu sonho está realizado. Já tive convites para outras funções,
algumas administrativas, em razão da minha formação acadêmica (Michele tem
especializações em direito processual civil e direito constitucional aplicado,
integrou a assessoria jurídica do Comando Geral da BM e fez o curso de
contrainteligência da BM). Mas não quero. Eu quero o BOE. O que vier agora é lucro,
mas que venha naturalmente.
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