sexta-feira, 19 de junho de 2015





'Educação é baseada em achismos, não em ciência', diz Viviane Senna


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Viviane Senna, a presidente do Instituto Ayrton Senna, que leva o nome do seu irmão, considera que a educação brasileira vive uma fase pré-científica. Há muitos estudos à disposição sobre como o aprendizado se dá, afirma, mas pouco é utilizado.

Sua entidade contratou recentemente o economista Ricardo Paes de Barros, importante pesquisador das áreas de desigualdade e mercado de trabalho. Fez também uma parceria com Roberto Lent, um dos principais neurocientistas do país, para o desenvolvimento de pesquisas na área de educação.

Entre outro temas, eles estão pesquisando o impacto de características pessoais como a disciplina no aprendizado.

Um estudo da entidade mostrou que qualidades como a dedicação e o foco têm quase o dobro do impacto no desempenho escolar em comparação com fatores tradicionalmente mais considerados, como cor, gênero ou ambiente familiar. Para ela, isso hoje é subestimado por escolas e professores. "Ninguém vai aprender se não for responsável, se não ralar."

Leia abaixo a entrevista com Viviane Senna.
Danilo Verpa - 2.jun.2015/Folhapress
Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna
Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna
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Folha - É possível mensurar o impacto de características como a disciplina no desempenho dos alunos?

Viviane Senna - Estamos medindo a conscienciosidade de 25 mil alunos da rede estadual do Rio de Janeiro. É um mapeamento feito a partir de um conjunto de perguntas. Os cientistas estão megaentusiasmados. O que é a conscienciosidade? É a capacidade da pessoa de ser responsável, de ter foco, persistência, disciplina. O que descobrimos é que essa habilidade significa, a cada nove meses de aulas de matemática, um bônus de três meses no aprendizado. Ou seja, você consegue um terço a mais de resultados. O [economista] Ricardo Paes de Barros, que agora está no nosso time, está por trás dessa iniciativa.

A iniciativa privada já descobriu que essas habilidades são importantes há muito tempo, não?

Sim. Estamos mostrando cientificamente aquilo que intuitivamente sabemos que é importante. Ninguém vai aprender ou trabalhar se não for disciplinado, responsável, se não ralar Nenhuma atividade que envolva esforço vai ser bem sucedida se não tiver essas características.

Que outras habilidades socioemocionais vocês apontam como importantes?

Outra, muito importante, é a flexibilidade. O melhores empregos de 2010 nem existiam em 2002, por causa da tecnologia O governo americano estima que quem está hoje na escola terá mais de dez empregos diferentes até os 38 anos. É preciso ser criativo, persistente. É como em um casamento. Não dá para sobreviver só com inteligência.

Estamos mapeando essas habilidades, ok. Mas, uma vez que a pessoa em questão não seja disciplinada, persistente, algo nos diz que seja possível mudar?

Essa é outra questão importante. Se essas habilidades são fixas, cristalizadas, não há nem o que mexer. Mas estamos descobrindo que essas características são muito maleáveis, pela vida toda, mas especialmente até os 20 anos de idade. É importante treinar os professores para que estimulem isso nos alunos. É o que estamos fazendo no Rio de Janeiro. Pode ser uma forma inclusive de a escola ficara mais motivante para o próprio aluno.

Qual a reação dos professores?

Para eles, é muito difícil ter crianças indisciplinadas, cansadas, desmotivadas, desfocadas. Ele precisa não desistir da criança, fazer ela acreditar nela mesma, trabalhar com disciplina, foco. Você tem de ensinar ao professor que ele não pode desistir da criança. Às vezes, o professor chega em sala e já elege aqueles em que vai focar, e os outros ficam meio de lado. Você tem de colocar para o professor que a meta dele é ter 100% de sucesso. Aí ele aprender a ter responsabilidade e não arrumar desculpa, dizendo que o aluno é pobre ou que a família dele é desestruturada. Se você ensinar, o aluno aprende. Quando isso acontece, o aluno passa a acreditar no professor e vice-versa. O professor também de ser persistente. Se o aluno falta, o professor vai até a casa dele ver o que aconteceu. Um serve de exemplo ao outro. É cruel quando a escola permite que a escola desista da própria inteligência. Você ensina a atitude para o professor, que vai ensinar pro aluno.

Até porque, no Brasil, terminar o ensino médio é quase uma garantia de que a pessoa não vai ser miserável.
Exato. Só 0,2% dos brasileiros que terminam o ensino médio podem ser classificados como pobres. Praticamente metade das crianças nem chegam ao ensino médio. Quando chegam, estão muitas vezes com uma defasagem muito grande. Não conseguem acompanhar. E isso em um momento em que elas começam a ter mais autonomia para querer desistir da escola. A escola é desestimulante, mas você tem um mundo superestimulante do lado de fora. Sem preparo emocional, fica fácil desistir.

Sempre que se fala de uma cultura de alto desempenho dentro da escola, de resultados, de metas, existe uma reação de corporativismo, de sindicatos. Isso segue forte?

Essa resistência existe. Ela não é tão forte quanto foi há 20 anos, mas ainda vai ter que evoluir muito. Avaliação é só uma ferramenta para saber se estamos acertando ou errando. É básico.

Uma criança que tinha oito anos quando Dilma começou o primeiro mandato vai ter 16 quando ela terminar o segundo. São oito anos decisivos. O que ela aprendeu ou não vai definir a vida dela. A questão da eficiência é uma questão ética. Não temos o direito de não ter eficiência. Essa oportunidade não volta mais.

Existe um estereótipo, não sei se justo, de que as culturas asiáticas, como as dos japoneses e dos sul-coreanos, têm uma carga muito forte de características como foco, disciplina.

Estive pensando justamente nisso recentemente. Eles são focados, disciplinados e resistentes. São coisas que fazem parte da conscienciosidade, como a resistência à frustração. Isso é indicador de maturidade emocional. Nós [ocidentais] queremos tudo para a mesma hora, não temos isso tão bem desenvolvido. Em outras características, porém, como flexibilidade, nós somos muito bons.

Em uma palestra recente, você disse que, depois de trazermos conhecimentos de gestão e economia à educação, o próximo passo é a neurociência. Como isso se dá?

De modo mais geral, queremos trazer a ciência para a educação. Montamos uma rede de pesquisadores, com gente como o Roberto Lent [importante neurocientista carioca]. Estamos estudando, por exemplo, o papel da repetição na automatização da leitura e o papel do sono na consolidação do conhecimento. Queremos entender como o cérebro aprende, não só pesquisando, mas também rastreando todo o conhecimento que já está disponível mas não está sistematizado. A educação trabalha com achismos, enquanto a gente tem uma quantidade imensa de ciência à disposição.
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RAIO-X: VIVIANE SENNA

Nascimento 14.jun.1957

Formação Psicóloga pela PUC-SP, atuou como psicoterapeuta de adultos e crianças e também como supervisora de grupos de formação e aperfeiçoamento de terapeutas.



Trajetória Em 1994, mesmo ano da morte do irmão, Ayrton Senna, fundou com sua família o Instituto Ayrton Senna, dedicado ao desenvolvimento da educação e que ostenta reconhecimento nacional e internacional. Recentemente a Viviane e o IAS têm se dedicado à incorporação de conhecimentos científicos na educação, e ao fomento de pesquisas na área de neurociências e na importância das habilidades socioemocionais para o desenvolvimento escolar 

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