14 de junho de 2015 | N° 18193
L. F. VERISSIMO
Os podres
– Sabem que o Alaor não joga papel fora?
– Marcinha... – tentou protestar o Alaor.
Mas Márcia continuou:
– Não joga nem deixa eu jogar. Há anos que ele acumula
papéis. Revistas, recortes de jornal...
– Marcinha, precisa falar nisso agora?
– Precisa, Alaor. Precisa porque eu não sei mais o que fazer
com tanto papel dentro de casa. Desculpe, mas eu não aguento mais.
O desabafo de Márcia criou um constrangimento no outro
casal. Mas Márcia não parou.
– Vocês sabem que ele encheu um armário inteiro com revistas
velhas? Aí eu não aguentei. Botei todas fora.
– É. Minha coleção da Placar. Desde o primeiro número. Você
jogou no lixo!
– Precisava do armário para guardar roupa. Armário é pra
isso.
– A coleção inteira!
– Sabem esses volantes que distribuem na rua? Ele pega
todos. A casa está cheia de volantes. De telepizzas, de detetives, de tudo. Até
de cartomante. Vocês acreditam? Cartomante!
Agora o Alaor estava brabo:
– Já que estamos botando os podres pra fora, o que você me
diz das suas calcinhas?
– O que que tem as minhas calcinhas?
– As suas calcinhas penduradas no banheiro. Há anos que eu
pergunto por que tem calcinhas penduradas no banheiro e você não dá bola.
Explique, agora. Na frente de testemunhas. Por que nosso banheiro tem calcinhas
penduradas por tudo que é lado?
– Que ridículo, Alaor.
– Há anos eu peço uma explicação, que não vem. Anos!
Quando Márcia e Alaor saíram, o outro casal ficou comentando
aquela explosão intempestiva de ressentimentos domésticos. Como era que um
casal chegava àquele ponto?
– Se bem – disse a mulher – que a Márcia tem um pouco de
razão. Você também tem mania de colecionar papel...
– Peralá. Eu só guardo suplemento literário para ler depois.
– E nunca lê. Mas francamente, guardar volante de cartomante
é demais.
Mais tarde, na cama:
– Bem...– Mmm?
– Por que mesmo suas calcinhas ficam penduradas no banheiro?
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