14 de junho de 2015 | N° 18193
MOISÉS MENDES
Na cela com Marin
O americano Albert Woodfox passou 43 dos seus 68 anos preso
numa cela de três metros por dois. Saía da cela apenas uma hora durante o dia
para pegar sol. Era militante dos Panteras Negras, uma organização de esquerda
dos negros americanos, e foi acusado de matar o guarda de uma penitenciária.
O que poderia pensar, desde 1972, um homem que passava o dia
dentro de uma cela com a lâmpada acesa? O que pensou o comunista Woodfox,
quando finalmente foi libertado, dias atrás, se o comunismo acabou? Alguém terá
de dizer a Woodfox que a Guerra Fria extinguiu-se há 25 anos, mas poderá voltar
a qualquer momento, mesmo que talvez ele nem saiba mais o que isso significa.
O que pensa José Maria Marin, desde que foi preso na Suíça,
no dia 27 de maio, numa cela talvez um pouco maior do que a de Woodfox, com direito
a duas horas de sol? Marin enfrenta uma situação improvável. Ele sabia que
poderia circular pelo Brasil, onde nada acontece com mafiosos políticos
assumidamente de direita, e mais ainda na Suíça, onde estão suas reservas
financeiras secretas.
A prisão abala certezas do sujeito que construiu fortuna e
impunidade graças à livre circulação no Brasil e à cumplicidade dos bancos
suíços. Aqui, ele nunca seria pego porque, desde a Operação Banestado, dos anos
1990, os grandes mafiosos tiveram a certeza de que estariam sempre impunes. E
assim seria também na Suíça, que vive da reputação de mais velha guardiã da
dinheirama dos gângsteres de todo o mundo.
Prenderam Marin no país que depende do segredo bancário e da
miséria moral dos detentores de dinheiro sujo. Marin está na cadeia da terra
que deveria preservá-lo desse tipo de ameaça, como fizeram com as fortunas que
os nazistas roubaram dos judeus, que ditadores saquearam de nações miseráveis e
grandes quadrilheiros e traficantes construíram às custas da desgraça humana.
A prisão de Marin é um desses paradoxos que, em algum
momento, um gesto surpreendente oferece aos descrentes. Pensadores que se
interrogam sobre os poderes do sistema financeiro imaginam, racionalmente, e
não só como sonho, o dia em que algo se quebrará nessa engrenagem e – como
fizeram os suíços – um gesto inesperado poderá expor a estrutura internacional
do dinheiro como anomalia.
O sistema que não existe mais para financiar projetos e
oportunidades e que deixou de ter a missão de fazer a intermediação entre quem
tem uma ideia e quem tem o capital, para se tornar autorreferencial – na
definição de muitos dos que o questionam – será um dia reconhecido como uma
aberração, como sempre foi o modelo dos bancos suíços?
Algo se rompeu, sob pressão internacional, na normalidade do
sistema suíço. O que terá de acontecer de grandioso para que, daqui a algum
tempo, o mundo se dê conta de que convivia com uma estrutura financeira que
quebrava (como quebrou pela última vez em 2008), era salva pelos governos e se
retroalimentava da própria morte?
Marin não tem mais idade, como teve o americano Woodfox,
para ficar pensando por muito tempo numa cela. Nesses 43 anos, Woodfox ficou
sem o direito de dispor do comunismo, mas tem agora a chance de ser apresentado
ao que poderia considerar improvável – seu país é governado por um negro.
Talvez venha a ser governado por um apache, antes que o movimento inesperado
seja capaz de dar consequência ao sentimento de que o mundo foi sequestrado
pelo sistema financeiro mundial.
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