sábado, 13 de junho de 2015



14 de junho de 2015 | N° 18193
MOISÉS MENDES

Na cela com Marin

O americano Albert Woodfox passou 43 dos seus 68 anos preso numa cela de três metros por dois. Saía da cela apenas uma hora durante o dia para pegar sol. Era militante dos Panteras Negras, uma organização de esquerda dos negros americanos, e foi acusado de matar o guarda de uma penitenciária.

O que poderia pensar, desde 1972, um homem que passava o dia dentro de uma cela com a lâmpada acesa? O que pensou o comunista Woodfox, quando finalmente foi libertado, dias atrás, se o comunismo acabou? Alguém terá de dizer a Woodfox que a Guerra Fria extinguiu-se há 25 anos, mas poderá voltar a qualquer momento, mesmo que talvez ele nem saiba mais o que isso significa.

O que pensa José Maria Marin, desde que foi preso na Suíça, no dia 27 de maio, numa cela talvez um pouco maior do que a de Woodfox, com direito a duas horas de sol? Marin enfrenta uma situação improvável. Ele sabia que poderia circular pelo Brasil, onde nada acontece com mafiosos políticos assumidamente de direita, e mais ainda na Suíça, onde estão suas reservas financeiras secretas.

A prisão abala certezas do sujeito que construiu fortuna e impunidade graças à livre circulação no Brasil e à cumplicidade dos bancos suíços. Aqui, ele nunca seria pego porque, desde a Operação Banestado, dos anos 1990, os grandes mafiosos tiveram a certeza de que estariam sempre impunes. E assim seria também na Suíça, que vive da reputação de mais velha guardiã da dinheirama dos gângsteres de todo o mundo.

Prenderam Marin no país que depende do segredo bancário e da miséria moral dos detentores de dinheiro sujo. Marin está na cadeia da terra que deveria preservá-lo desse tipo de ameaça, como fizeram com as fortunas que os nazistas roubaram dos judeus, que ditadores saquearam de nações miseráveis e grandes quadrilheiros e traficantes construíram às custas da desgraça humana.

A prisão de Marin é um desses paradoxos que, em algum momento, um gesto surpreendente oferece aos descrentes. Pensadores que se interrogam sobre os poderes do sistema financeiro imaginam, racionalmente, e não só como sonho, o dia em que algo se quebrará nessa engrenagem e – como fizeram os suíços – um gesto inesperado poderá expor a estrutura internacional do dinheiro como anomalia.

O sistema que não existe mais para financiar projetos e oportunidades e que deixou de ter a missão de fazer a intermediação entre quem tem uma ideia e quem tem o capital, para se tornar autorreferencial – na definição de muitos dos que o questionam – será um dia reconhecido como uma aberração, como sempre foi o modelo dos bancos suíços?

Algo se rompeu, sob pressão internacional, na normalidade do sistema suíço. O que terá de acontecer de grandioso para que, daqui a algum tempo, o mundo se dê conta de que convivia com uma estrutura financeira que quebrava (como quebrou pela última vez em 2008), era salva pelos governos e se retroalimentava da própria morte?

Marin não tem mais idade, como teve o americano Woodfox, para ficar pensando por muito tempo numa cela. Nesses 43 anos, Woodfox ficou sem o direito de dispor do comunismo, mas tem agora a chance de ser apresentado ao que poderia considerar improvável – seu país é governado por um negro. Talvez venha a ser governado por um apache, antes que o movimento inesperado seja capaz de dar consequência ao sentimento de que o mundo foi sequestrado pelo sistema financeiro mundial.

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