segunda-feira, 8 de junho de 2015



08 de junho de 2015 | N° 18187
L. F. VERISSIMO

Ofensas

Muitos parisienses ficaram chocados com a solução encontrada pelo americano de origem chinesa Ieoh Ming Pei para uma nova entrada principal do museu do Louvre. Uma pirâmide de ferro e vidro bem no meio da “cour” Napoleon, em contraste com as fachadas ornamentadas do velho museu, parecia uma blasfêmia arquitetônica, uma agressão do moderno ao tradicional. Hoje, pouca gente pensa assim.

O contraste dramático do novo com o velho era a razão de ser da obra de Pei. E, ao mesmo tempo, o que poderia ser mais velho do que uma pirâmide, a primeira audácia arquitetônica da História, obra de algum Pei do Antigo Egito? E a pirâmide de ferro e vidro completava a grande perspectiva que começa no Louvre e leva ao Arco do Triunfo, passando pelo longo Jardim das Tulherias e por arcos perfeitamente alinhados, num grande banquete para os olhos, como alguém já disse sobre a Patrícia Pillar.

Mas agora construíram, a poucos metros da pirâmide, um imenso pavilhão, este, sim, uma agressão aos olhos e ao bom senso. Boa parte do subterrâneo do museu, ao qual se tem acesso pela pirâmide, é tomada por lojas de objetos de arte e suvenires, e imagino que tenham recorrido ao pavilhão horroroso – que ainda por cima é pintado de vermelho! – porque faltou espaço para mais lojas no subterrâneo. No caso, a perspectiva de aumentar os lucros foi mais forte do que o respeito à perspectiva da paisagem e as razões do comércio derrotaram qualquer consideração estética. A esperança é que o pavilhão seja provisório. Mas a ganância nunca é provisória.

O amor, e não o comércio, é responsável por outra ofensa à paisagem parisiense. Não sei como começou, mas já é uma praga: namorados e casados prendem cadeados nas cercas de ferro das pontes e jogam as chaves no Rio Sena, para simbolizar sua união indissolúvel e eterna. Pontes com várias camadas de cadeados engatados levam a gente a desconfiar da quantidade de casais fiéis e felizes, moradores da cidade ou em trânsito.

Claro que deve haver cadeados repetidos, de amores eternos desfeitos e substituídos, mas o fato é que uma das pontes carregadas de cadeados já é um perigo para passantes e para sua própria estrutura, e o que era um hábito romântico perdeu a graça e transformou-se numa ameaça pública, contra a qual a prefeitura pouco pode fazer. A não ser prender os amantes e multá-los, ou mandá-los catar as chaves dos seus cadeados no fundo do rio.

E ouvi que o hábito dos cadeados fechados se alastra. Uma contribuição francesa absolutamente dispensável à cultura do mundo.

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