02
de fevereiro de 2015 | N° 18061
L.
F. VERISSIMO
Além do
saião
“Je
suis” Tsipras. Ou fui, durante 15 minutos, até ver a foto do candidato vencedor
das recentes eleições na Grécia reunido com o chefe de um partido de direita
corrupto para pedir seu apoio no parlamento – algo tão inimaginável quanto, sei
lá, o Lula visitar o Maluf. O partido do novo primeiro-ministro, de esquerda, não
tem maioria suficiente para governar e precisa de ajuda, venha de onde vier. Na
política moderna, “governabilidade”, a desculpa pronta para todas as alianças,
imorais ou amorais, juntou-se a “austeridade” na lista de velhas palavras
transformadas em novos palavrões.
Mas
o importante na vitória do partido do Tsipras, o Syrisa, depois de cinco anos
em que a Grécia seguiu a receita do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão
Europeia – ou da Alemanha, para sermos mais sucintos – para sua salvação, não foi
o sucesso do Syrisa mas o fracasso da receita. Cinco anos de austeridade e
sacrifício inútil pioraram a vida da população e não melhoraram a situação do
país, com os generosos empréstimos da Europa indo diretamente para pagar os
bancos internacionais e só piorando a dívida.
O
Tsipras não vai poder mudar isso imediatamente e talvez nem dure muito no
poder, mas a Grécia foi o primeiro entre os países em situação parecida –
Portugal, Espanha, Itália, Irlanda etc. – a se rebelar contra a receita e a dar
o exemplo. Partidos e movimentos populares, como o “Podemos”, na Espanha,
crescerão, politicamente, inspirados pelo Syrisa, ou no mínimo se convencerão
de que podem, sim, sair de baixo do saião dogmático da frau Merkel para
respirar um pouco.
É
claro que dessa bicicleta se pula para os dois lados, para a esquerda ou para a
direita. Também há partidos e movimentos neofascistas esperando para explorar a
revolta das vítimas da austeridade, e eles também podem crescer. Os alemães –
pelo menos os alemães que conhecem a própria história – sabem qual pode ser a
consequência de uma nação forçada a entregar sua economia, sua história e seu
futuro a outra.
Na
Alemanha debilitada pela derrota na I Guerra Mundial, obrigada a pagar uma
indenização gigante pela sua culpa na guerra e oprimida por uma dívida
impagável (os credores insensíveis da época eram os franceses), a consequência
do sacrifício imposto foi o ressentimento, e a consequência do ressentimento
foi o nazismo. Hitler foi um produto da austeridade. Alguém aí bata na madeira.
ÁGUA,
ÁGUA
O
José Simão disse que em São Paulo mudaram a fórmula da água. Em vez de H20
agora é H2Ó PRA VOCÊS. Certo, faltar água no país com as maiores bacias
hídricas do mundo é mais do que uma ironia, é um insulto. Alguém tem que explicar
o que foi feito para se chegar a este ponto. Ou o que não foi feito. É verdade
que a chuva mudou: hoje cai chuva teflon, que não adere. Quem diria que nós
ainda iríamos ver a prova de uma velha conjetura brasileira, o “chove e não
molha”?
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