segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015


16 de fevereiro de 2015 | N° 18075
L. F. VERISSIMO

Por que Salgueiro

A cor ajudou, mas não tinha nada a ver com política. Não era o vermelho da Internacional, era o vermelho do Internacional. Paixão antiga, de Porto Alegre. Quando cheguei ao Rio em 1962, era preciso me definir e escolher logo um time e uma escola de samba. O time já estava escolhido: o Botafogo. Eu sei: se fosse para ser coerente, deveria ter escolhido o América, vermelho também. Mas o Botafogo tinha uma ligação histórica com o Internacional.

Diziam que era o time dos gaúchos no Rio – o que eu nem sei se era verdade ou não. E tinha jogadores gaúchos. O centroavante Pirilo, por exemplo, e o Avila, grande Avila, centromédio clássico, depois substituído pelo Ruarinho, todos os três vindos do Inter. E ser Botafogo em vez de América não era uma desfeita tão grande. O América é o segundo time de todo mundo, o que significa que, indiretamente, tem a maior torcida do Rio. Não tive remorso de escolher o Botafogo. Já a escola de samba só poderia ser o Salgueiro.

Em 62, fui morar com uma tia, no Leme. O plano era passar um tempo no Rio, ganhar dinheiro, seguir para Londres e fazer alguma coisa ligada a cinema. Vender pipoca ou dirigir filmes, não importava muito. Não ganhei o dinheiro planejado e o resultado é que fui ficando no Rio, sem emprego e sem muitas perspectivas.

A Clarice Lispector, amiga da família e vizinha no Leme – já contei isto – arranjou um encontro meu com o Ivan Lessa, que trabalhava em publicidade. O encontro nunca aconteceu, não me lembro mais por que, mas até hoje imagino no que poderia ter dado, e para que lado teria ido a minha vida.

Depois consegui um emprego com um americano fugido do Texas que tinha grandes projetos para ganhar dinheiro mas que, enquanto os projetos não davam certo, não me pagava. Minha situação ficou tão difícil que, sem dinheiro e sem futuro aparente, decidi fazer a coisa sensata: me casei.

Lembro da primeira vez em que vi o Salgueiro desfilar. O desfile era na Avenida Rio Branco, quando ninguém ainda era nascido, só eu. Depois passou para a Presidente Vargas. O lema do Salgueiro era: nem melhor nem pior do que as outras, diferente. E era difícil definir essa diferença. Não sei se o fulgor do vermelho me impedia de ver defeitos, mas sempre achei o Salgueiro bonito, mesmo quando não era a mais convencionalmente luxuosa e criativa.

E provavelmente, entre todas as grandes escolas, ela é a que melhor transmite essa coisa indescritível – enfim, diferente – que é o que mais emociona no Carnaval, a ideia da nobreza popular. Ano após ano.


E quando eu fiquei sabendo que o Aldir Blanc também era Salgueiro, então...

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