09
de fevereiro de 2015 | N° 18068
DAVID
COIMBRA
O Inter na Segunda
Divisão
Numa
tarde do final de 2005, liguei para o Fernando Carvalho e avisei:
– O
Inter vai ser rebaixado.
Eu
era editor de Esportes da Zero Hora; ele, presidente do Inter. Nossa amizade
vinha de muito antes, dos anos 90, quando tomávamos chopes cremosos, dourados e
gelados nas mesinhas externas do Lilliput, na então chamada Calçada da Fama.
O
Corinthians havia vencido o Campeonato Brasileiro devido àquela anulação de
jogos feita pelo STJD, e um sócio do Inter entrara na Justiça para impedir a
entrega da taça. Vários próceres colorados apoiavam a ação, contrariando a
norma pétrea da Fifa, que não admite recursos de clubes de futebol à Justiça
comum. Foi então que uma pessoa de dentro da CBF me ligou, alertando que o
rebaixamento do Inter já estava acertado, caso o sócio não desistisse do
recurso.
O
Fernando ouviu a informação e suspirou. Era intensa e forte a pressão de
conselheiros importantes para que a ação fosse adiante. Nos minutos seguintes,
ele fez seus contatos. Falou com homens que conheciam os intestinos da CBF, e
foi confirmado: o Inter seria rebaixado. Naquele momento, Fernando Carvalho
ingressou no terreno sombrio da solidão do poder. Havia uma decisão estratégica
a tomar, e quase ninguém concordava com ele. O futuro do Inter dependia do que
fizesse nas horas seguintes.
E
Fernando Carvalho fez o certo: primeiro desistiu juridicamente dos efeitos da
ação, depois convenceu o torcedor a retirá-la.
O
resto da história você sabe. Muito do que o Inter é hoje se deve àquela decisão
isolada de Fernando Carvalho.
Conto
esse caso para ilustrar o quanto a Fifa preza o cumprimento das regras das
competições. O Inter, um dos maiores clubes do Brasil, seria arrastado à
Segunda Divisão sem dó, se não desistisse do recurso. Fui testemunha da firmeza
dessa intenção.
Há
muita coisa errada com a Fifa, mas quem conhece o esporte sabe que ela
conseguiu organizar o futebol. Houve um tempo em que os campeonatos
simplesmente não terminavam. Sempre havia alguém recorrendo à Justiça contra o que
considerava ser um resultado roubado, sobretudo no Brasil.
O
que a Fifa deixa claro é que o sistema tem de ser preservado, mesmo quando
comete injustiças. É o princípio da legalidade, no qual se sustenta a
democracia.
A
democracia é um acordo social em que a decisão de uma maioria, mesmo que uma
pequena maioria, há de ser respeitada por todos.
É
claro que as maiorias nem sempre são inteligentes. Até diria que, em geral, as
maiorias são obtusas, como provou o caso de Fernando Carvalho versus maioria de
conselheiros, 10 anos atrás. Mas esse sistema democrático é o único que protege
o cidadão comum da tirania.
As
regras precisam ser respeitadas. A Lei precisa ser respeitada. Um presidente da
República eleito legitimamente só pode ser destituído se for pela Lei com ele
maiúsculo. Só se for com provas cabais. Caso contrário, é tentativa de virar a
mesa no Tapetão.
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