18 de fevereiro de 2015
| N° 18077
DAVID COIMBRA
Foi horrível o que a professora fez na
aula
Cheguei à aula uns cinco minutos
antes da hora. A nova professora estava sentada à cabeceira da grande mesa.
Entrei na sala, lancei um good morning animado para o alto, esperando que ela
aparasse. Mas não. Nem resmungar resmungou. Estava mastigando algo que
antigamente se chamava bolacha, depois virou biscoito e, agora, no Brasil, é
conhecido por cookie.
Estaria tão concentrada em seu
cookie que nem ouviu meu florido bom dia? Resolvi derramar um pouco mais da
minha simpatia brasileira sobre a mesa e fiz um comentário qualquer sobre o
tempo, comentários sobre o tempo sempre funcionam para quebrar o gelo e, como
estamos no inverno da Nova Inglaterra, é caso de quebrar gelo mesmo.
Assim, falei algo que julguei
muito gracioso sobre o frio e tudo mais. Mas a professora continuou muda como
um boneco de neve, olhando apenas para a sua bolacha. Os outros alunos foram
chegando. Um russo, um mexicano, duas japonesas, um espanhol, um equatoriano e
uma chinesa. Todos disseram good morning, cada qual com seu sotaque, mas a
professora não respondeu a ninguém.
Então, no minuto exato da hora
exata em que deveria começar a aula, ela levantou a cabeça, faiscou num sorriso
de 64 dentes, esticou ao máximo as vogais de um good morning e, antes que
pudéssemos dizer Cucamonga em inglês, observou:
– Gostaria de dizer que tenho
meia hora entre essa aula e a aula anterior. É um tempo que dedico a mim mesma.
Por isso, peço que, por favor, ninguém fale comigo nesse período.
Sei bem que os americanos são
muito ciosos de sua privacidade, mas não achei um bom começo para a teacher.
Pela perplexidade que notei nos rostos dos colegas, vi que sentiram o mesmo.
As aulas seguiram sem que a
professora demonstrasse o menor empenho em ser simpática. Alguns alunos,
sobretudo os latinos, tentaram fazê-la descontrair um pouco, mas que nada. Ela
não quer saber de conversinha. Talvez eu tenha pego implicância com a mulher,
coitada, mas o fato é que até o jeito de ela falar OK me irrita. É um OK
superior, de quem se prepara para transmitir sabedoria aos ignaros: “Óc!
Queeeeeeeei...”.
Bem. Um dia, lá estava a
professora riscando advérbios no quadro, quando a sua, digamos, natureza
interior foi mais forte do que a sua vontade e se manifestou através de um
mínimo, porém perceptível e indisfarçável... flato.
Sim. A professora fez pum.
Sei bem que alguns leitores
haverão de protestar e dizer que este não é um espaço para tratar de
flatulências e outras emissões corpóreas, mas, entenda, o que nos vai por
dentro também é importante e aquela inusitada explosão de humanidade da
professora foi, num átimo, como que uma bomba jogada no meio da sala de aula.
Foi irresistível. Todos, inclusive as duas japonesas, orientalmente discretas,
começamos primeiro a sorrir, depois a rir, por fim a gargalhar e a chorar de
tanto que nos contorcíamos de dar risada.
Tudo mudou, a partir daquele
momento mágico. Virou uma querida, a professorinha. Uma amada.
O que nos motiva uma filosofia de
Quarta-feira de Cinzas:
Não é a democracia, é a
fisiologia que nos torna todos iguais.
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