21
de fevereiro de 2015 | N° 18080
SAÚDE
DRAMA EM PICADA CAFÉ
A vida nas mãos da Justiça
DEPENDENTE
DE MEDICAMENTO que não é oferecido pelo SUS, morador da Serra com câncer no cérebro
teve negado pelo Judiciário pedido inicial para que o poder público provesse a
medicação. Decisão foi revertida, e pedreiro aguarda tratamento
A
negativa inicial da Justiça para que um doente com câncer no cérebro recebesse
um medicamento para quimioterapia mobilizou uma comunidade na Serra e trouxe à tona
a discussão sobre a decisão, que acabou sendo revista pelo próprio Poder Judiciário.
Hoje dependendo totalmente dos cuidados da mulher, o pedreiro Mario Martins, 46
anos, de Picada Café, aguarda os trâmites burocráticos para receber o
tratamento.
O
drama de Martins se esconde em uma casa de madeira na localidade de Jammerthal,
interior de Picada Café. Desde que descobriu a doença, em outubro passado, ele
passou por duas cirurgias e hoje depende totalmente dos cuidados da mulher, Édela
Lúcia Schaffer, 38 anos. Martins fala baixo para dizer o quão grato é ao
carinho da mulher, mas responde apenas com lágrimas quando questionado sobre a
decisão da juíza que lhe negou o direito ao remédio.
Em
dezembro, quando foi submetido à primeira operação no Hospital Pompeia, em
Caxias do Sul, Martins soube que precisaria de quimioterapia com Temozolomida,
droga de que o Sistema Único de Saúde não dispõe. A partir daí, teve início a
luta judicial.
Em
despacho emitido em 12 de janeiro, a magistrada Marisa Gatelli, de Feliz,
argumentou que o remédio serviria “apenas para prolongar a sua vida em um ou
dois meses”, e que a compra resultaria em “desfalque aos combalidos cofres do
município e do Estado, considerando o valor astronômico dos fármacos postulados”.
Depois, o juiz Franklin de Oliveira Neto, de Nova Petrópolis, manteve a decisão
e, em 13 de fevereiro, diante de novo pedido, deferiu o pagamento do comprimido
pelo município de Picada Café e pelo Estado. Conforme a família, o medicamento
custa R$ 72 mil.
– Nem
eu, nem ela (juíza), nem o médico. Quem vai dizer quanto tempo o meu marido
pode viver é Deus. Ela não tinha esse direito. As palavras dela nos humilharam –
desabafa a mulher.
O
pedreiro espera poder iniciar a quimioterapia o mais breve possível e aumentar
a chance de cura. O tratamento será concomitante à radioterapia.
– Estávamos
no fundo do poço, agora estamos esperançosos – diz a mulher, traduzindo o
sentimento que o homem não consegue expressar.
ENTIDADE
MÉDICA APONTA OBRIGAÇÃO DO ESTADO
Para
o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers),
Fernando Weber Matos, o médico tem autonomia para prescrever o remédio que
entender que dará benefícios ao paciente. Ele acrescenta que, caso o SUS não
disponha, é direito do doente requerer o benefício na Justiça.
– É difícil
entender essa negativa da juíza pela argumentação de ele ter só dois meses de
vida. E, mesmo que fosse, em dois meses se faz muitas coisas. Eu, se puder
viver mais dois meses, vou querer. E se tiver a chance de lutar contra uma doença
que eu tenha, vou lutar com todas as minhas forças – argumenta Matos.
Quanto
ao argumento de que o custo do remédio seria alto, o presidente do Cremers
lembra:
– Está
na Constituição que saúde é obrigação de Estado. Se os remédios são caros, é outro
problema. Mas eu não acharia caro poder viver mais.
O
juiz Franklin de Oliveira Neto explica que inicialmente negou o pedido por
questão jurídica. Segundo ele, a defesa havia ingressado com um agravo retido,
o que o impedia de conceder o benefício diante da negativa da magistrada de
Feliz. Quando a defesa interpôs um agravo de instrumento, o magistrado concedeu
o benefício.
– Respeito
a interpretação da colega. Para mim, o valor principal é a saúde do paciente,
mas entendo que essas questões não deveriam chegar ao Judiciário, deveriam ser
resolvidas nas esferas municipal, estadual e federal – critica.
Em
contato com o gabinete da juíza Marisa Gatelli, a reportagem foi informada de
que ela não falaria sobre o assunto.
cristiane.barcelos@pioneiro.com
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