quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015


18 de fevereiro de 2015 | N° 18077
ARTIGOS - JORGE BARCELLOS*

O SMARTPHONE COMO CONFESSIONÁRIO

Oque têm em comum Anna Clara Mansur e os deputados estaduais citados na edição de Zero Hora do último dia 4? Resposta: a suprema devoção ao smartphone. Anna Clara, transformada em “musinha do fitness” em sua obsessão infantil de expor na internet sua busca pela “perfeição corporal”; os deputados estaduais em sua obsessão por se expor nas redes sociais mais do que dar atenção ao discurso
do governador.

Toda técnica de dominação tem seus objetos de devoção. Desde os estudos de Michel Foucault, sabemos que o poder tem formas muito diferentes de se manifestar, razão pela qual dedicou seus últimos seminários a analisar o neoliberalismo, o que lhe valeu a crítica de que estava indo “rumo à direita”. Nada mais injusto.

Pois o que vemos em ambas as cenas é o quanto estamos imersos na realidade imposta pelo regime neoliberal. Deputado ou criança, somos todos empresários de nós mesmos.

A consequência é que não somos mais capazes de estabelecer com os outros relações que sejam livres de qualquer finalidade pois “ser livre significa estar entre amigos”, diz Byung-Chan Hun. Ora, o que o neoliberalismo agora faz em sua fase psicopolítica é explorar nossa psiquê, é nos fazer “sentir” obrigados a mostrar e explorar nossa liberdade: agora ser livre é sinônimo de se “comunicar intensamente”.

O mercado aprimorou as formas de se tornar nossa nova religião. Esse uso excessivo do smartphone indica os sintomas desta nova religiosidade: o que é a devoção de Anna Clara e dos deputados ao smartphone, se não a prova de que a expressão “devoto” significa exatamente isso, “submissão?

O que é o apego silencioso e atento ao aparelho feito pelos deputados se não, de certa forma, a repetição do gesto que envolve o “rosário” e que serve para examinar e controlar-se a si mesmo? O que significa o botão de “curtir”, se não o nosso novo “amém”, agora transformado em amém digital? Que é o Facebook, se não outro tipo de igreja com seus seguidores, os “amigos”? O smartphone deixou de ser um telefone para se transformar num confessionário, eis a questão.


*Doutor em Educação pela UFRGS - JORGE BARCELLOS

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