sábado, 28 de fevereiro de 2015


01 de março de 2015 | N° 18088
ANTONIO PRATA

Fábulas monterrosianas

O burro, a mula, o jegue e o jumento se reuniram numa assembleia para redigir um manifesto contra o cavalo. Era intolerável que eles trabalhassem tanto ou mais do que o nobre colega equino, mas só no nobre colega equino ficasse hypado. “Alguém aí já viu burro em propaganda de cigarro?”, “E mau aluno com chapéu de cavalo?”, “E por que nunca criam uma mula unicórnio?”. Redigiram um manifesto a oito cascos exigindo a imediata distribuição do sucesso cavalar para a totalidade da classe equestre e uma maior equanimidade (atenção: trocadilho) na divisão internacional do trabalho.

No dia seguinte, o burro, a mula, o jegue e o jumento foram ao pasto, entregar o manifesto. O cavalo os olhou, mal-humorado, mascando um capim, com sua pinta de Charles Bronson. “Que foi?”. “Nada, nada”, responderam, trêmulos, e desistiram de entregar o documento.

Voltando do encontro, o burro, a mula, o jegue e o jumento avistaram a zebra, bebendo água num lago. Correram até lá, a cercaram e lhe deram uma surra de coices e pinotes. “Zebra vagabunda!”. “Quem você pensa que é?!”, “Não trabalha! Não faz nada! Passa o dia de pijama!”, “Vergonha da classe equina!”.

Era uma vez um gato rajado, velho e gordo que fingia ser filhote de tigre. Ele chegava a uma cidade, entrava no primeiro bar e batia no balcão: “Barman, bourbon! Eu sou filhote de tigre! Se você não me der bourbon, eu volto aqui quando crescer e te como no café da manhã!”. Todo mundo caía na gargalhada. O poodle na mesa de sinuca tirava o cigarro da boca e provocava, “Eu sou filhote de urso!”, a mariposa do lustre gritava, “Eu sou um B-52!”, o macaco, jogando dardos, emendava, “Eu sou um bonsai de King Kong!”, e o gato rajado, velho e gordo seguia para a próxima cidade.

O vírus tinha inveja da bactéria, que tinha inveja do ácaro, que tinha inveja da pulga, que tinha inveja do besouro, que tinha inveja do rato, que tinha inveja do gato, que tinha inveja do puma, que tinha inveja do tigre, que tinha inveja do leão, que tinha inveja do leão mais jovem, que tinha inveja dos leões mais jovens de antigamente, que, dizem os leões mais velhos, eram muito mais fortes, mais livres e não tinham inveja de ninguém.

“Segundo a assessoria de imprensa do time dos macacos, o lateral direito Prego, 29, não descarta processar a torcida das hienas que, durante uma cobrança de escanteio, atirou relógios, óculos e escovas de dentes em sua direção”.

A cascavel entra a milhão no Pronto Socorro: “Mordi a língua! Mordi a língua!”.

Três lesmas muito machas se reunem pra brincar de roleta russa. No meio da roda, uma caixinha de Tic-Tac com seis balas dentro. Cinco, na verdade: a sexta, idêntica às outras, é uma pedra de sal.

Décadas atrás, era impensável um ouriço transgênero. Hoje, veja só, para todo lado que se olhe percebe-se – azuis, violetas, rosadas – a grande quantidade de anêmonas


ps. Estes textos são descaradamente inspirados no livro A Ovelha Negra e Outras Fábulas, de Augusto Monterroso, Cosac Naify, tradução de Millôr Fernandes.

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