01
de março de 2015 | N° 18088
ANTONIO
PRATA
Fábulas monterrosianas
O burro, a mula, o jegue e o jumento se reuniram numa
assembleia para redigir um manifesto contra o cavalo. Era intolerável que eles
trabalhassem tanto ou mais do que o nobre colega equino, mas só no nobre colega
equino ficasse hypado. “Alguém aí já viu burro em propaganda de cigarro?”, “E
mau aluno com chapéu de cavalo?”, “E por que nunca criam uma mula unicórnio?”.
Redigiram um manifesto a oito cascos exigindo a imediata distribuição do
sucesso cavalar para a totalidade da classe equestre e uma maior equanimidade
(atenção: trocadilho) na divisão internacional do trabalho.
No
dia seguinte, o burro, a mula, o jegue e o jumento foram ao pasto, entregar o
manifesto. O cavalo os olhou, mal-humorado, mascando um capim, com sua pinta de
Charles Bronson. “Que foi?”. “Nada, nada”, responderam, trêmulos, e desistiram
de entregar o documento.
Voltando
do encontro, o burro, a mula, o jegue e o jumento avistaram a zebra, bebendo
água num lago. Correram até lá, a cercaram e lhe deram uma surra de coices e
pinotes. “Zebra vagabunda!”. “Quem você pensa que é?!”, “Não trabalha! Não faz
nada! Passa o dia de pijama!”, “Vergonha da classe equina!”.
Era
uma vez um gato rajado, velho e gordo que fingia ser filhote de tigre. Ele
chegava a uma cidade, entrava no primeiro bar e batia no balcão: “Barman,
bourbon! Eu sou filhote de tigre! Se você não me der bourbon, eu volto aqui
quando crescer e te como no café da manhã!”. Todo mundo caía na gargalhada. O
poodle na mesa de sinuca tirava o cigarro da boca e provocava, “Eu sou filhote
de urso!”, a mariposa do lustre gritava, “Eu sou um B-52!”, o macaco, jogando
dardos, emendava, “Eu sou um bonsai de King Kong!”, e o gato rajado, velho e
gordo seguia para a próxima cidade.
O
vírus tinha inveja da bactéria, que tinha inveja do ácaro, que tinha inveja da
pulga, que tinha inveja do besouro, que tinha inveja do rato, que tinha inveja
do gato, que tinha inveja do puma, que tinha inveja do tigre, que tinha inveja
do leão, que tinha inveja do leão mais jovem, que tinha inveja dos leões mais
jovens de antigamente, que, dizem os leões mais velhos, eram muito mais fortes,
mais livres e não tinham inveja de ninguém.
“Segundo
a assessoria de imprensa do time dos macacos, o lateral direito Prego, 29, não
descarta processar a torcida das hienas que, durante uma cobrança de escanteio,
atirou relógios, óculos e escovas de dentes em sua direção”.
A
cascavel entra a milhão no Pronto Socorro: “Mordi a língua! Mordi a língua!”.
Três
lesmas muito machas se reunem pra brincar de roleta russa. No meio da roda, uma
caixinha de Tic-Tac com seis balas dentro. Cinco, na verdade: a sexta, idêntica
às outras, é uma pedra de sal.
Décadas
atrás, era impensável um ouriço transgênero. Hoje, veja só, para todo lado que
se olhe percebe-se – azuis, violetas, rosadas – a grande quantidade de anêmonas
ps.
Estes textos são descaradamente inspirados no livro A Ovelha Negra e Outras
Fábulas, de Augusto Monterroso, Cosac Naify, tradução de Millôr Fernandes.
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