sábado, 7 de fevereiro de 2015


08 de fevereiro de 2015 | N° 18067
MOISÉS MENDES

Tempos sem escrúpulos

Completou 20 anos em setembro do ano passado um dos episódios midiáticos que mais se prestam ao debate sobre ética na política. Nos preparativos de uma gravação para o Jornal da Globo, no estúdio, o então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, disse: Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde.

Ricupero achava que ele e o repórter Carlos Monforte não estavam no ar. Antenas parabólicas captaram som e imagem e muita gente ouviu aquela conversa de setembro de 1994 em todo o Brasil.

Ricupero era cabo eleitoral de Fernando Henrique, na primeira disputa contra Lula. Acabou caindo. Mas até hoje a fala do ministro de Itamar é relativizada. Não são poucos os que acham que aquilo não foi nada.

Ricupero falava na hora de vários assuntos, entre os quais a inflação, e de como o governo deveria manipular informações. Disse que o IBGE era “um covil do PT” e largou então os escrúpulos em algum canto.

Depois daquilo, até chegar às gangues do mensalão, o Brasil teve inúmeros episódios com a abordagem enviesada de questões éticas e criminais. Como em 1998, quando o Banco Central deu mais de US$ 2 bilhões de socorro a Salvatore Cacciola, para que seu banco, o Marka, não quebrasse.

Cacciola foi preso por fraude e fugiu para Roma, depois de obter habeas no Supremo. A Justiça também condenou Chico Lopes, que não pegou cadeia.

Pesquise o caso no Google e você achará referências elogiosas a Chico Lopes, que teria salvo o Brasil de um colapso ao ajudar Cacciola.

Neste e em muitos outros casos, o tempo diluiu ou desfigurou a percepção de culpa, ética e responsabilização na atividade pública. Foi assim com as suspeitas de falcatruas nas privatizações, que também derrubaram ministro e nunca deram em nada.

Foi assim em 1997, quando Paulo Francis denunciou que roubavam na Petrobras, no governo do PSDB, e foi processado pelos diretores da empresa. Nem o jornalismo o socorreu, e Francis morreu infartado. Vivia-se um tempo em que a ética e suas parentes próximas eram relativizadas.

Eram tempos do procurador federal Luiz Francisco Fernandes de Souza, que investiu contra corruptos graúdos e passou a ser desqualificado como marxista e maluco. Tempos em que quase tudo era anistiado.

Que combinação permite que aconteça hoje no país o que era inimaginável nos governos tucanos? Faltava, nos anos 90, um juiz com o vigor de um Sergio Moro? Uma Polícia Federal autônoma? Um Joaquim Barbosa? Um MP que não dependesse só do quixote Luiz Francisco? Ou as empreiteiras só agora, não se sabe por que, decidiram sair corrompendo todo mundo? Ou faltava coragem? Ou vergonha?

O que teria ficado jogado num canto, com os escrúpulos de Ricupero, nesse tempo todo, para só estourar agora?

Por que a CPI do Banestado não deu em nada? Por que as investigações da compra de votos para a emenda que permitiu a reeleição de FH em 1997 (com “provas cabais”, como já disse o jornalista Fernando Rodrigues) nunca avançaram?

Que escrupulosos poderiam nos contar hoje o que não se ficou sabendo daqueles anos? É provável que nunca apareça um desengavetador de escrúpulos e talvez nem seja preciso. As próprias perguntas servem como resposta.


Enquanto isso, os formuladores da moral seletiva dos anos 90 continuam faturando o que é bom e escondendo o que incomoda suas imagens, seus projetos e suas consciências.

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