08
de fevereiro de 2015 | N° 18067
MOISÉS
MENDES
Tempos sem
escrúpulos
Completou 20 anos em setembro do ano passado um dos
episódios midiáticos que mais se prestam ao debate sobre ética na política. Nos
preparativos de uma gravação para o Jornal da Globo, no estúdio, o então
ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, disse: Eu não tenho escrúpulos. O que é
bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde.
Ricupero
achava que ele e o repórter Carlos Monforte não estavam no ar. Antenas
parabólicas captaram som e imagem e muita gente ouviu aquela conversa de
setembro de 1994 em todo o Brasil.
Ricupero
era cabo eleitoral de Fernando Henrique, na primeira disputa contra Lula.
Acabou caindo. Mas até hoje a fala do ministro de Itamar é relativizada. Não
são poucos os que acham que aquilo não foi nada.
Ricupero
falava na hora de vários assuntos, entre os quais a inflação, e de como o
governo deveria manipular informações. Disse que o IBGE era “um covil do PT” e
largou então os escrúpulos em algum canto.
Depois
daquilo, até chegar às gangues do mensalão, o Brasil teve inúmeros episódios
com a abordagem enviesada de questões éticas e criminais. Como em 1998, quando
o Banco Central deu mais de US$ 2 bilhões de socorro a Salvatore Cacciola, para
que seu banco, o Marka, não quebrasse.
Cacciola
foi preso por fraude e fugiu para Roma, depois de obter habeas no Supremo. A
Justiça também condenou Chico Lopes, que não pegou cadeia.
Pesquise
o caso no Google e você achará referências elogiosas a Chico Lopes, que teria
salvo o Brasil de um colapso ao ajudar Cacciola.
Neste
e em muitos outros casos, o tempo diluiu ou desfigurou a percepção de culpa,
ética e responsabilização na atividade pública. Foi assim com as suspeitas de
falcatruas nas privatizações, que também derrubaram ministro e nunca deram em
nada.
Foi
assim em 1997, quando Paulo Francis denunciou que roubavam na Petrobras, no
governo do PSDB, e foi processado pelos diretores da empresa. Nem o jornalismo
o socorreu, e Francis morreu infartado. Vivia-se um tempo em que a ética e suas
parentes próximas eram relativizadas.
Eram
tempos do procurador federal Luiz Francisco Fernandes de Souza, que investiu
contra corruptos graúdos e passou a ser desqualificado como marxista e maluco.
Tempos em que quase tudo era anistiado.
Que
combinação permite que aconteça hoje no país o que era inimaginável nos
governos tucanos? Faltava, nos anos 90, um juiz com o vigor de um Sergio Moro?
Uma Polícia Federal autônoma? Um Joaquim Barbosa? Um MP que não dependesse só
do quixote Luiz Francisco? Ou as empreiteiras só agora, não se sabe por que,
decidiram sair corrompendo todo mundo? Ou faltava coragem? Ou vergonha?
O
que teria ficado jogado num canto, com os escrúpulos de Ricupero, nesse tempo
todo, para só estourar agora?
Por
que a CPI do Banestado não deu em nada? Por que as investigações da compra de
votos para a emenda que permitiu a reeleição de FH em 1997 (com “provas
cabais”, como já disse o jornalista Fernando Rodrigues) nunca avançaram?
Que
escrupulosos poderiam nos contar hoje o que não se ficou sabendo daqueles anos?
É provável que nunca apareça um desengavetador de escrúpulos e talvez nem seja
preciso. As próprias perguntas servem como resposta.
Enquanto
isso, os formuladores da moral seletiva dos anos 90 continuam faturando o que é
bom e escondendo o que incomoda suas imagens, seus projetos e suas
consciências.
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