19 de fevereiro de 2015
| N° 18078
DAVID COIMBRA
Ideias que matam – como aprender
línguas
Povo nenhum tem ideologia. Povo
nenhum é de esquerda ou de direita. Povo mesmo, o comum das gentes, o que o
povo quer é viver bem e morrer em paz. Se essas necessidades forem atendidas,
pouco importa se quem governa é o Médici, o Lula, o Fidel ou o Obama.
Igualdade? Liberdade?
Um pouco de desigualdade não
incomoda ninguém. E a ânsia de liberdade só palpita no peito depois que o
estômago parar de palpitar. A liberdade é um requinte, uma obra do intelecto.
Não acreditar em ideologias é
prova da sabedoria popular. Na história do mundo, as ideologias cometeram muito
mais atrocidades e assassinatos do que as religiões, e isso que as religiões
são bem mais antigas.
As ideologias foram inventadas
pela Revolução Francesa. Antes, não se precisava de hipocrisia para matar.
Quando um país entrava em guerra com outro, estava claro que era por poder ou
por dinheiro. Ou por acinte, como no caso dos gregos, que não perdoaram os
troianos pelo rapto de Helena de Esparta. O que não admira: ela era mais linda
do que Afrodite, a sinuosa deusa do amor. É como se os paraguaios nos roubassem
a Paolla Oliveira.
Claro que isso de fazer guerra
por uma mulher serve à literatura, não à História, embora as duas, literatura e
História, sejam irmãs. No caso da citada Guerra de Troia, irmãs gêmeas – foi
por causa da literatura do grego Homero que o alemão Schliemann descobriu
Troia, para gáudio da História.
Johann Ludwig Heinrich Julius
Schliemann tinha capacidade cerebral maior do que seu nome. Era um gênio.
Quando completou sete anos de idade, ganhou do pai um livro que fazia menção
aos clássicos de Homero, a Ilíada e a Odisseia. As façanhas de Ulisses e
Aquiles o encantaram, e ele pediu ao pai que lhe falasse mais a respeito.
O velho Schliemann devia ser
grande contador de histórias, porque aquilo mudou a vida do filho para sempre.
Mais: aquela singela narração paterna deu sentido à vida de Heinrich, fazendo
com que se tornasse imortal, tanto que hoje, quase 200 anos depois, estou
escrevendo sobre ele, em vez de me solidarizar com o Felipão ou contar o que
sofri na mesma altura do mundo em que o Inter sofreu.
O pequerrucho Heinrich, em sua
inocência, jurou de punho cerrado que um dia encontraria Troia. Mas sua família
não tinha posses e, aos 14 anos, ele teve de parar de estudar para trabalhar
numa mercearia. Um dia, um bêbado entrou no lugar declamando algo em língua
estranha. Schliemann perguntou do que se tratava. O outro respondeu que era
Homero puro. Aquilo era grego para Schliemann, mas ele pediu que o bêbado
repetisse a cantilena e repetisse outra vez e ainda outra, tantas que o homem
se aborreceu, o que não intimidou Schliemann: ele ofereceu dinheiro para que o
sujeito lhe recitasse Homero todos os dias.
Foi assim que Schliemann
desenvolveu seu extraordinário método de aprendizado de línguas: em apenas seis
semanas, ele se tornava fluente em qualquer idioma. Sabia falar o seu alemão
materno e mais inglês, francês, português, espanhol, holandês, russo, grego,
grego antigo, latim, italiano, copta, romeno e até chinês. Como fazia isso? Vou
contar, para você economizar em curso de inglês: Schliemann não traduzia nada.
Pegava um texto e lia em voz alta, mas bem alta, a ponto de os vizinhos
reclamarem do barulho, não raro obrigando-o a trocar de endereço. Às vezes,
Schliemann contratava alguém para ler em voz alta para ele. Depois de acostumar
o ouvido ao som das palavras, retomava o texto e tentava entender o
significado. Um mês e meio, e pronto: podia ver filmes na nova língua sem
legenda nem close caption.
Gênio.
Só que, para descobrir Troia,
Schliemann precisava de tempo para viajar e pesquisar, e de dinheiro para
contratar operários que o ajudassem nas escavações. Quer dizer: precisava ficar
rico. Ora, ficar rico é muito mais fácil do que aprender todas as línguas
europeias. Na verdade, ficar rico é bem fácil. Schliemann, portanto, enricou
e... Mas estou me alongando. Queria falar das ideologias e tergiversei. O
espaço acabou. Vou ter que continuar amanhã.
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