quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015


12 de fevereiro de 2015 | N° 18071
CARLOS GERBASE

SOLO DE BATERIA

O filme Whiplash – Em Busca da Perfeição conta a velha história do jovem artista que, em seus decisivos anos de formação, encontra um mentor para conduzi-lo ao sucesso, passando antes por um calvário de dores físicas e psicológicas. Nesta história em particular, um baterista de jazz, inscrito numa escola de música de Nova York, enfrenta um maestro despótico e desumano, que teria a suprema qualidade de identificar a perfeição técnica e artística de uma execução musical. Submetendo-se ao mestre sádico, o baterista demonstra não só sua inocência – quem disse que o professor sabe o que é perfeição? – como sua natureza masoquista. Até aí tudo bem: a humanidade é pródiga nesses jogos de poder e vassalagem.

O que me incomoda no filme é a sua conformidade com o conceito de perfeição musical do professor, que mixa a exatidão de um matemático de Cambridge, para ler partituras complicadíssimas, com o preparo físico de um corredor jamaicano, para manter velocidade máxima durante a execução. O baterista perfeito teria a cabeça de Stephen Hawking e os membros de Usain Bolt.

Que bobagem! Se boa música dependesse disso, quase todos os músicos teriam que fazer outra coisa na vida. Praticar muito e superar limites são necessidades de qualquer artista, mas o herói de Whiplash confunde seus desafios com uma visão boboca do que é “tocar bem”. Em seu quarto há um poster na parede: “Quem não tem habilidade toca rock”. Poderia ser ironia. Não é. E aí o filme pisou nos meus calos (inclusive os de ex-baterista).

A boa técnica é necessária para fazer surgir uma obra de arte, mas ela não é garantia de nada. Arte é combinação de muitos elementos, alguns deles fora do alcance de medições científicas, e não pode ser alcançada apenas com uma mente brilhante e obstinada. Não defendo uma visão romântica da arte, aquela que depende do “gênio”.


Defendo que a arte, além de esforço intelectual, exige coragem para buscar caminhos diferentes ou, mesmo dentro das convenções, dizer algo novo sobre o mundo que faça pensar e desperte emoções. Whiplash, ao contrário de mostrar o nascimento de um artista, celebra a coisa mais chata de toda a história da música: um solo de bateria tecnicamente perfeito.

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