sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015


20 de fevereiro de 2015 | N° 18079
DAVID COIMBRA

Ideias que matam – como ficar rico

No último texto, empolguei-me demais com a história do genial Schliemann. Agora serei direto e reto como um sargento.

Ocorre que nosso herói ficou rico, rico, rico de marré de si. Aliás, essa musiquinha infantil era para ser cantada em francês. O marré, no caso, é o bairro de Marais, que se esparrama gentilmente a partir da margem direita do Sena e hoje é um lugar cult, onde moram intelectuais e artistas e gays.

Tempos atrás, porém, o Marais estava em decadência e seus prédios se encontravam em situação tão precária que governantes da cidade chegaram a pensar em botar tudo abaixo. Então, por causa dessa pobreza antiga, a música canta “eu sou pobre, pobre, pobre, de Marais je suis”. Ou seja: de Marais “eu sou”, e não “de si”, que não faz sentido algum. Por sinal... mas, puxa!, não estou sendo um sargento. Voltemos a Schliemann.

Como disse antes, é fácil ficar rico. Basta ser um diretor inescrupuloso da Petrobras ou um comerciante destemido. É o comércio que faz o mundo funcionar. Schliemann compreendeu isso, entrou no comércio, ficou rico de marré e, depois, largou tudo, inclusive mulher e filhos, a fim de procurar uma cidade que estava desaparecida havia 5 mil anos e que os arqueólogos profissionais garantiam não existir.

Existia.

Schliemann guiou-se estritamente pelo texto de Homero e descobriu a cidade perdida. Morreu realizado e deixou muitos arqueólogos profissionais despeitados.

Mas por que falei em Schliemann mesmo?

Ah, sim. Por causa das ideologias.

Troia não foi destruída devido ao fanatismo ideológico, ao fundamentalismo religioso ou ao fogo da paixão por uma mulher. Não. Foi por uma disputa de poder. A riqueza de Troia ameaçava a riqueza da Grécia, porque não há espaço para muitos ricos no mundo.

O mesmo ocorreu entre Roma e Cartago, mil anos depois. Essa guerra, chamada de Púnica, que era a língua falada no norte da África, guerra de um século de duração, dividida em três capítulos, essa guerra demonstra bem como as ideologias não mobilizavam os povos da Antiguidade.

Roma derrotou Cartago duas vezes graças à mesma estratégia que Cruzeiro e São Paulo usam para vencer o Brasileirão: com investimento na quantidade. Quer dizer: Roma tinha banco. Por mais batalhas que os cartagineses vencessem, os romanos sempre se recuperavam e formavam novos exércitos.

Cartago, então, foi dominada e submetida a uma série de tratados coercitivos. Mas, como Schliemann, os cartagineses sabiam que o comércio é a fonte de riqueza dos homens, saíram comerciando e logo enriqueceram novamente.

Um dia, um senador romano chamado Catão foi visitar Cartago e voltou de lá assustado com a pujança da cidade. Entrou no Senado romano carregando enormes e luzidios figos nas dobras da toga. Apresentou-os aos demais senadores como prova da prosperidade do inimigo: “Vejam os figos que Cartago é capaz de produzir!”. Deviam ser figos de fruteira francesa, porque os senadores se impressionaram mesmo. A partir daí, Catão sempre encerrava seus discursos com a frase “Delenda est Cartago”: Cartago precisa ser destruída.

Podia falar sobre qualquer coisa, sobre economia, política, a dupla Gre-Nal, não interessava, ele sempre encerrava com “Delenda est Cartago”. Insistiu tanto, mas tanto, que os romanos resolveram, realmente, destruir Cartago. Para justificar o ataque, começaram a fazer exigências absurdas aos cartagineses, esperando que eles recusassem.

Uma dessas exigências foi das maiores crueldades já cometidas por um povo contra outro na História: os romanos obrigaram os cartagineses a lhes entregar os filhos das 300 famílias mais importantes da cidade como reféns. Os cartagineses, covardemente, aceitaram. No dia da partida do navio que levava as crianças, as mães, desesperadas, se atiravam ao mar para tentar reaver seus filhos.

Terrível. Maldição! Acho que não fui direto como um sargento. Vou ter que continuar amanhã. 

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