sábado, 21 de fevereiro de 2015


22 de fevereiro de 2015 | N° 18081
ARTIGOS - ROSANE TREMEA*

ATUAR, FINGIR, MENTIR

Dos 52 domingos do ano, este é um dos meus preferidos. Adoro domingo de Oscar. Sou do tipo que compromete o início da semana dormindo só depois da entrega da última estatueta, de conhecer os prêmios principais, o ator, a atriz, o diretor e o filme vencedores. Para acompanhar a cerimônia, já fiz reunião com amigos, já vi com a família, já assisti em quarto de hotel, em bar, já comentei online em redes sociais, tudo para me manter acordada até o fim.

É que naquele tapete vermelho desfilam mais do que o George Clooney e a Angelina Jolie, mais do que estrelas de cinema e celebridades, do que a nossa diversão e as fugas de nosso dia a dia. Desfila a ficção, mas também percorrem o tapete muitos retratos de nossas realidades. Desfilam nossa humanidade e os monstros que às vezes somos.

Além deste domingo de Oscar, especialmente, adoro esta época para ir ao cinema – como a maioria, não dou conta de assistir, nas limitadas horas de folga, a todas as produções. Dos oito indicados a melhor filme, vi cinco e confesso: não tenho um preferido. Gosto de todos e de todas as atuações. Me impressionaram o Stephen Hawking de Eddie Redmayne, assim como o Alan Turing de Benedict Cumberbatch.

Quando o cinema dá vida a personagens conhecidos – e eles nos impressionam não apenas pela semelhança física, mas por gestos, olhares, esgares, pela alma –, o arrebatamento costuma ser maior ainda. Não à toa, muitos dos filmes indicados se baseiam em histórias reais e não em roteiros originais. A realidade costuma superar em muito a ficção, com o perdão do lugar-comum.

Se me perguntassem o que eu gostaria de ser (se não fosse o que escolhi), teria uma das respostas para o porquê de eu acordar com expectativa quase infantil neste domingo: queria ser cantora ou, muito mais, atriz. Não canto nada e nunca fiz sequer um curso de teatro. O máximo que me aproximei de uma atuação é mais um pesadelo do que um sonho: uma vez, provocada por uma amiga, me fiz passar por uma estrangeira diante de amigos dela. Foram horas de mais sofrimento do que gozo.

Minha interpretação, merecedora do prêmio Framboesa de Ouro (aquele dado às piores produções e atores), durou muito tempo para o meu gosto. Quando vi que a coisa ia longe demais, eu mesma me entreguei. A plateia era pior do que eu, nem havia percebido meu fingimento, revelando uma faceta (querida) do porto-alegrense, que é a de tratar com mais atenção a quem vem de fora. Carreira encerrada.

Na vida real, quando via uma entrevista na TV e desconfiava do que a pessoa dizia, minha mãe pedia atenção à boca do sujeito. Ela dizia que uma forma de mexer o canto da boca, quase imperceptível, revelava se a pessoa estava interpretando, mentindo ou dizendo a verdade. Mais por afeto do que por crença, passei a observar não a boca, mas aquele determinado canto da boca. Nesses tempos de delações premiadas, porém, de pessoas entregando os comparsas sem dó nem piedade para salvar a própria pele, está cada vez mais difícil decifrar quem está atuando, fingindo ou mentindo. E com quais intenções.


Vou mergulhar no cinema e aproveitar meu domingo de Oscar. Na tela, pelo menos, vou ter (quase) certeza de que estão todos interpretando um papel.

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