20 de fevereiro de 2015
| N° 18079
MOISÉS MENDES
Boi dormindo
Algumas anotações sobre recente
viagem de carro pela BR-290 até o Alegrete:
-Os bois sempre pastaram virados
para o mesmo lado. Há estudos que comprovam: uma boiada fica com a cabeça na
posição Norte-Sul, por causa da gravidade da Terra. Mas vi agora que os bois
estão virados para todos os lados. Deve ser efeito do individualismo neoliberal.
Até os bois perderam o sentido do coletivo.
-Há cada vez menos bois para
observar. A campanha está tomada por lavouras de soja e florestas de
eucaliptos. Há placas no acostamento, entre São Gabriel e Caçapava, com este
alerta: “Atenção, zona agrícola”. Em regiões onde antes alertavam para os tatus
peludos que atravessavam a estrada, agora alertam para o trânsito de tratores e
colheitadeiras.
-O GPS, como já observaram os
Fagundes, é absolutamente inútil para quem vai a Alegrete. O mundo mudou muito,
mas a 290 continua em linha reta. Você pode precisar de GPS para ir a Itaqui ou
a Espumoso, mas não a Alegrete. Quando fizeram a 290, os militares decidiram
que chegar a Alegrete deveria ser mais fácil do que ir a Roma. Alguém pode
dizer que é também assim, pelo retão da BR, que se chega a Uruguaiana. Mas
antes se passa por Alegrete.
-Há trechos com limites variados
de velocidade na 290. Os trechos mais esburacados têm sinalização de limite de
100 km/h. Nos melhores trechos, é o contrário, cai para 80 km/h. Os trechos com
um e outro limite vão se alternando. Deve ser para que a viagem não fique
cansativa.
-Os argentinos continuam vindo,
apesar da crise. Mas só há carrões na estrada. Foi-se o tempo em que vinham
famílias inteiras dentro de uma lata. Um funcionário de restaurante de beira de
estrada me disse que a cada ano aparecem menos argentinos.
Em pouco tempo, não teremos mais
argentinos. Até que um dia o governo inventará um plano em que um peso vale um
dólar e começará tudo de novo. E os argentinos voltarão em massa. Depois, eles
quebrarão mais uma vez. E assim vai.
-A 290 é uma das mais bem
traçadas estradas do Brasil. Foi feita nos anos 60, quando, dizem, nada era
superfaturado. Mas até os terneiros tataranetos dos bichos que testemunharam a
construção da estrada sabem que isso é conversa pra boi dormir com o rabo
virado pra Brasília.
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