sábado, 7 de fevereiro de 2015


08 de fevereiro de 2015 | N° 18067
ANTONIO PRATA

Daniel

Se esta crônica está sendo publicada hoje é porque nasceu o meu filho, Daniel. (Se esta crônica não está sendo publicada hoje é porque ele ainda não nasceu, mas se ele ainda não nasceu e essa crônica não está sendo publicada hoje, esta frase não tem razão de ser, uma vez que não será lida por ninguém além de mim e da Andressa, a quem mando este texto, por precaução. Tudo bom, Andressa? Não, Andressa, eu não quis dizer que a gente não era ninguém.

Ah, o correto é “a gente era ninguém”? Obrigado, Andressa. Eu não quis dizer que a gente era ninguém, mas é que as crônicas costumam ser pra mais do que duas pessoas. Se bem que, pensando melhor, nem todas. Esta aqui, por exemplo, é pra uma pessoa só. Afinal, como eu ia dizendo até ser interrompido pela visita inesperada de uns parênteses, se esta crônica está sendo publicada hoje é porque você nasceu, Daniel).

Você era ninguém, agora você é alguém – e, acredite, filho, essa é a coisa mais fantástica que pode acontecer com ninguém, em todo o universo. Eu digo “acredite” porque não é exatamente um consenso por estas bandas ultrauterinas. Há quem fique na dúvida entre ser ou não ser, há quem diga que chove muito ou pouco e há dor de dente e nas costas e tantas outras dores do mundo e o melhor seria não ser ou ser granito ou fumaça, o que dá na mesma.

Um homem muito sabido chegou a dizer que o que todo mundo quer é voltar praquele lugar morninho do qual você acabou de sair. Talvez ele tenha razão, mas como a via é de mão única, eu digo para o seu alento: tem muito programa bom, por aqui.

Não sei nem por onde começar, porque não sei ainda do que você gosta. Eu e a sua mãe vamos tentar mostrar um pouco de tudo, aí você decide. Carne, peixe, frango; Palavra Cantada, Ramones, Cartola; mar, campo, cidade; arara, camelo, avestruz; tinta, massinha, carvão; Corinthians, Corinthians, Corinthians – lamento, filho, mas por mais pluralistas que sejamos, há algumas regras que precisam ser seguidas. Brincadeira, eu vou te amar mesmo que o seu avô te converta num são-paulino. Mas saiba que isso vai dificultar um pouco a nossa relação. E muito a minha relação com o seu avô. É uma escolha sua. E do seu avô. (Tá dado o recado, Mario Luis.)

Daniel, prometo que vamos fazer o que estiver ao nosso alcance pra te ajudar, mas desde já peço desculpas por nossos inúmeros tropeços. Embora estejamos mais experientes depois da Olivia – duvido, por exemplo, que em vez de pomada pra assaduras passemos pasta de dentes no seu bumbum (as bisnagas eram idênticas! Caramba, Weleda!) –, alguns deslizes são inevitáveis.


Esta crônica tá meio confusa, verdade. É que é difícil esse negócio de dar as boas vindas a alguém que chega ao mundo. Não sei se falo do Drummond ou do dedo na tomada, se calo ou te compro uma bicicleta. Tudo bem, faz parte. A vida também é confusa, Daniel. É confusa, chove, dói dente, costas e outros costados, mas vale muito a pena. Você não existia, agora existe: esse é o grande milagre diante do qual nos curvamos, crentes ou ateus, corintianos ou são-paulinos. Seja bem-vindo, meu filho, seja o que você quiser, seja o que você puder, desculpa qualquer coisa – e cuidado com as tomadas.

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