01
de março de 2015 | N° 18088
ARTIGOS | DIANA LICHTENSTEIN
CORSO
A VIDA EM CINZA
Imagine
que você fabrique um produto qualquer: uma esponja de aço, por exemplo. Seu
sonho de empresário seria tornar-se Bombril, que em nossa língua é sinônimo
desse objeto. Agora imagine que os amantes almejassem o mesmo: ser tão
perfeitos um para o outro, que suprimissem a concorrência. Esse é o segredo de
Christian Grey e Anastasia Steele, protagonistas de um amor absoluto em
Cinquenta Tons de Cinza, escrito pela norte-americana Erika Leonard James.
Respeitosos
às leis do mercado, os amantes da história reúnem-se em torno de uma mesa de
negociações para acertar detalhes de seu contrato. Não se trata de um
casamento, mas, sim, de um código de comportamento sexual, submissão e domínio.
O acordo não é pacífico, há escaramuças e desentendimentos, como em qualquer
novela romântica, mas é para apimentar o final feliz, que se dá ao cabo de três
volumes e filmes.
Numa
cartada só, a senhora James conseguiu suprimir a maior parte das interrogações
e tormentos que nos preenchem e ocupam. Gastamos a existência a indagar qual
nosso valor e o que gostaríamos de conquistar, o que é ser um homem e o que é
ser uma mulher. Além disso, atrapalham- nos para amar as lembranças infantis do
prazer e do terror de sermos subjugados e protegidos. Para Christian e
Anastasia, está quase tudo resolvido.
Eles
são virgens, ela de corpo e ele de coração. Ele é riquíssimo, jovem e belo.
Sim, os príncipes ainda existem. E, como as Cinderelas também, esse cobiçado
solteiro fica mesmerizado quando pousa os olhos na desmilinguida universitária
que aparece para entrevistá-lo para um jornalzinho de faculdade. O que ocorre
entre os dois é um desejo incontrolável à primeira vista, que logo se
transforma em juras de amor.
Rapidamente
a relação torna-se o negócio mais importante para ele e o projeto de vida
prioritário para ela. Ele quer subjugar-lhe o corpo, mas acaba entregando-lhe a
alma. Ela cobiça possuir a alma dele, mas entrega seu corpo com um prazer
minuciosamente descrito. Apesar dos chicotes, cintos e palmatórias próprios da
cena sadomasoquista, o livro difere das clássicas publicações do gênero ao
dedicar grande espaço à exploração do corpo e dos prazeres femininos, dos quais
Anastasia goza amarrada e amordaçada.
Pense
bem nas suas dúvidas: você nunca sabe direito o que quer nem o que precisa para
ser desejável. Além disso, sente-se ambivalente quanto aos prazeres da carne,
nos quais sempre fantasia um tanto a mais do que realiza. Como as mulheres
nunca tiveram um destino em aberto, o recato era imprescindível e as escolhas
restritas, o leque dessas vacilações era para elas menos explícito. Com a
liberdade, ganharam o benefício e o inferno das dúvidas. E. L. James tem a
resposta para todos esses males: não enxergue cores, atenha-se ao cinza e viva
uma vida Bombril.
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