19 de fevereiro de 2015
| N° 18078
LUCIANO ALABARSE
ORDEM NATURAL SUSPENSA
Confronto. Fronteira. Interrogação.
A morte é “o” momento. E não há Max von Sydow ou partida de xadrez que resolva.
Nunca estamos prontos para ela. Misteriosa, carimba em cada um marcas
diferentes para, indiferente, lançar em nossa direção um futuro de múltipla
escolha. Como diz Maria Rita Kehl, sua chegada “nos arranca de uma porção de
coisas sem sair do lugar”.
Vivi duas mortes recentemente. O
filhinho de dois anos de um de meus melhores amigos morreu afogado numa
piscina. Silêncio e dor. Estupefação. Como se a ordem natural do mundo,
suspensa, deixasse tudo de cabeça pra baixo. Poucos dias depois, a companheira
de uma de minhas melhores amigas, com sofrimentos que se estenderam por tempo
demasiado, partiu também. Silêncio igual, reação distinta. Sua dor cessara.
Como se um ciclo da natureza encerrasse seu tempo após cumpri-lo.
Altivos e inexoráveis, os dias
seguintes vieram sem pedir licença. Plenos e generosos, melancólicos, vazios e
cheios. Com tristezas variadas, seguimos todos. Responsabilidades cotidianas,
compromissos, crises, continuidade. O trabalho me levou a Recife, uma das
cidades mais bonitas do Brasil. Entre horários apertados e livros folheados ao
acaso na Cultura pernambucana, descubro Luto e Melancolia, último ensaio de
Sigmund Freud, editado com o selo elegante da Cosac Naify. Fui à leitura com a
sede de um beduíno perdido no deserto.
A língua alemã aproxima luto
(Trauer) ao que é triste (traurig). Ponto para os alemães. Mas, diz o autor, é
normal que ele ceda lugar à aceitação da realidade; que, sem forçar sua superação,
cabe aos vivos voltar a viver. Ponto pro Freud.
No que me diz respeito, vivencio
outra espécie de luto, abstrato mas real, cívico e profundo, pelo nosso país
terminal. Governantes que deixam o Brasil sangrar, discursos inócuos, ideais
traídos, roubalheira institucionalizada na “grande pátria desimportante”. Dor,
amor e vergonha. Luto e melancolia.
Esta crônica é para o
Davi e a Adriana. Freud explica.
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