sábado, 28 de fevereiro de 2015


01 de março de 2015 | N° 18088
MOISÉS MENDES

Os exterminadores

Aeconomia foi a desculpa pública para a formação da União Europeia. Mas o que os europeus queriam mesmo era livrar-se das guerras e salvar suas almas. A UE era a tentativa de cura dos horrores do nazismo e do holocausto.

O sociólogo alemão Ulrich Beck lida com os tropeços desse esforço em A Europa Alemã (Paz & Terra, 126 páginas), publicado originalmente em 2012 e só agora editado no Brasil.

Beck é o teórico da sociedade de risco, que vê o mundo sob ameaças permanentes. Valores (inclusive os da família) são fragmentados ou perdem importância. Sob a hegemonia do individualismo, o mundo estaria sempre em espasmos ou à espera de crises econômica, social, ambiental, terrorista.

A Europa Alemã trata da crise do euro e do endividamento de Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha, que transformaram a Alemanha em guardiã moral da ideia de unidade. É a isso, à Alemanha como consciência econômica e ética da Europa, que Beck se dedica.

O país que saiu de duas guerras abatido militar e moralmente passa a se impor, pelo poderio econômico, como orientador das vidas dos vizinhos arruinados. A receita é a austeridade, rejeitada pelos gregos, que recentemente elegeram um governo de esquerda.

Austeridade é cortar gastos, inclusive sociais, em nome de um equilíbrio contábil que favoreça a União. A subtração de benefícios e o empobrecimento das populações, mostra Beck, tem, na mesma medida, o favorecimento do sistema financeiro. Austeridade significa fortalecer os bancos e impor mais miséria aos que já não têm quase nada.

A Alemanha é a fiadora da tática do arrocho. O país que meio século atrás emergia de escombros impõe-se como tutor da Europa que não soube se comportar. Os alemães são “os pregadores morais de uma Europa alemã”, cercados por “um bando de países preguiçosos”, que devem ser convencidos de que precisam se reeducar, cortar despesas e restabelecer responsabilidades.

A tutela que protege credores e massacra devedores, em nome do socorro financeiro aos endividados, faz com que a própria Alemanha se reapresente involuntariamente como “a imagem do inimigo”, da qual os alemães e a UE pretendiam se livrar.

Todos são acossados, não pela Alemanha bélica, mas pela nação mais poderosa do continente, avalista de qualquer gesto feito em nome da União.

O moralismo econômico produz a indignação dos que se sentem usurpados em seus direitos. Salvar a União Europeia deveria ser preservar os sonhos e os empregos dos jovens, diz Beck, que escreveu: “Está na hora de virar o jogo, não precisamos de mais bailouts (injeção de dinheiro) para os bancos, e sim de um mecanismo de salvação social para a Europa das pessoas, dos indivíduos”.

O sistema financeiro que suga os europeus tem seus equivalentes em todo o mundo. No Brasil da estagnação, seus lucros aumentam até 25% ao ano.

Beck morreu em janeiro. Testemunhamos por ele a resposta que os gregos começaram a dar, pela democracia, ao sistema que finge socorrê-los e os deixa ainda mais miseráveis.


A Europa livrou-se do nazismo, mas ainda não sabe se um dia poderá livrar-se do que o sociólogo definiu como as catedrais sagradas e intocáveis do sistema financeiro global. As aberrações da sociedade de risco do século 21 também sabem produzir extermínios.

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