01
de março de 2015 | N° 18088
MOISÉS
MENDES
Os
exterminadores
Aeconomia foi a desculpa pública para a formação da
União Europeia. Mas o que os europeus queriam mesmo era livrar-se das guerras e
salvar suas almas. A UE era a tentativa de cura dos horrores do nazismo e do
holocausto.
O
sociólogo alemão Ulrich Beck lida com os tropeços desse esforço em A Europa
Alemã (Paz & Terra, 126 páginas), publicado originalmente em 2012 e só
agora editado no Brasil.
Beck
é o teórico da sociedade de risco, que vê o mundo sob ameaças permanentes.
Valores (inclusive os da família) são fragmentados ou perdem importância. Sob a
hegemonia do individualismo, o mundo estaria sempre em espasmos ou à espera de
crises econômica, social, ambiental, terrorista.
A
Europa Alemã trata da crise do euro e do endividamento de Grécia, Irlanda,
Itália, Portugal e Espanha, que transformaram a Alemanha em guardiã moral da
ideia de unidade. É a isso, à Alemanha como consciência econômica e ética da
Europa, que Beck se dedica.
O
país que saiu de duas guerras abatido militar e moralmente passa a se impor,
pelo poderio econômico, como orientador das vidas dos vizinhos arruinados. A
receita é a austeridade, rejeitada pelos gregos, que recentemente elegeram um
governo de esquerda.
Austeridade
é cortar gastos, inclusive sociais, em nome de um equilíbrio contábil que
favoreça a União. A subtração de benefícios e o empobrecimento das populações,
mostra Beck, tem, na mesma medida, o favorecimento do sistema financeiro.
Austeridade significa fortalecer os bancos e impor mais miséria aos que já não
têm quase nada.
A
Alemanha é a fiadora da tática do arrocho. O país que meio século atrás emergia
de escombros impõe-se como tutor da Europa que não soube se comportar. Os
alemães são “os pregadores morais de uma Europa alemã”, cercados por “um bando
de países preguiçosos”, que devem ser convencidos de que precisam se reeducar,
cortar despesas e restabelecer responsabilidades.
A
tutela que protege credores e massacra devedores, em nome do socorro financeiro
aos endividados, faz com que a própria Alemanha se reapresente
involuntariamente como “a imagem do inimigo”, da qual os alemães e a UE
pretendiam se livrar.
Todos
são acossados, não pela Alemanha bélica, mas pela nação mais poderosa do
continente, avalista de qualquer gesto feito em nome da União.
O
moralismo econômico produz a indignação dos que se sentem usurpados em seus
direitos. Salvar a União Europeia deveria ser preservar os sonhos e os empregos
dos jovens, diz Beck, que escreveu: “Está na hora de virar o jogo, não
precisamos de mais bailouts (injeção de dinheiro) para os bancos, e sim de um
mecanismo de salvação social para a Europa das pessoas, dos indivíduos”.
O
sistema financeiro que suga os europeus tem seus equivalentes em todo o mundo.
No Brasil da estagnação, seus lucros aumentam até 25% ao ano.
Beck
morreu em janeiro. Testemunhamos por ele a resposta que os gregos começaram a
dar, pela democracia, ao sistema que finge socorrê-los e os deixa ainda mais
miseráveis.
A
Europa livrou-se do nazismo, mas ainda não sabe se um dia poderá livrar-se do
que o sociólogo definiu como as catedrais sagradas e intocáveis do sistema
financeiro global. As aberrações da sociedade de risco do século 21 também
sabem produzir extermínios.
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