sábado, 14 de fevereiro de 2015


14 de fevereiro de 2015 | N° 18073
CLÁUDIA LAITANO

Um guri colorido

Meu amigo Carlos Urbim sabia ficar bravo. Não foram poucas as vezes em que ouvi aquele vozeirão de gaúcho fronteiriço, em geral domado por um temperamento de natureza risonha e afável, erguer-se acima da acomodação bem-comportada para denunciar pequenas e grandes injustiças ou demonstrações explícitas de mau gosto e vulgaridade.

Urbim era daqueles que não toleravam deseducações, desrespeitos, mesquinharias – e que ninguém esperasse dele os bons modos de reclamar baixinho daquilo que considerava que não estava bem.

No mais das vezes, porém, Urbim parecia um embaixador da delicadeza no áspero território da rotina. Como escritor, lançou-se na literatura infantil com um livro autobiográfico chamado Um Guri Daltônico e por isso muitas vezes assisti ao meu amigo explicando para algum curioso como era esse negócio de não conseguir enxergar determinadas cores.

Para a maioria das pessoas, é necessário um considerável exercício de imaginação para conceber o mundo com os olhos de Dadau, personagem do livro, o menino que na hora do jogo de futebol passa a bola para o jogador errado porque confunde as camisetas e às vezes morde a parte branca e sem gosto da melancia em vez da deliciosa polpa vermelha.

Na convivência diária com o Urbim, era mais ou menos o contrário que acontecia. No jornal, no período em que trabalhamos juntos no Segundo Caderno, me acostumei a vê-lo chamando a atenção para nuanças que, distraídos, talvez nos passassem despercebidas. Como jornalista, reparava não apenas na cor berrante dos fatos que se impõem ou que nos são impostos, mas no matiz discreto de uma emoção ou de um gesto delicado que nem todos percebem ou se dão ao trabalho de mencionar.

Urbim via muito mais do que 50 tons de cinza onde muitos só enxergam preto ou branco – e sabia colorir todas as conversas com aquela genuína capacidade de rir alto e de se espantar que muita gente deixa para trás depois de uma certa idade.

Pensando no Urbim e no que as pessoas têm dito e escrito sobre ele desde o momento em que a sua presença sempre cheia de vitalidade e carisma transformou-se na matéria intercambiável da memória, percebo como são coloridas todas as histórias ligadas a ele. Não por acaso.


O coração do Urbim era como aquela gigantesca caixa de lápis com 360 cores brilhantes que teria deixado o guri daltônico tonto, mas que o homem generoso que ele foi soube franquear a todos a sua volta – e que leitores de todas as idades sempre poderão descobrir (ou reencontrar) nos muitos livros que ele deixou.

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