sábado, 14 de fevereiro de 2015


14 de fevereiro de 2015 | N° 18073
DAVID COIMBRA

Por que estás tão triste?

As festas da editoria de Esportes eram as melhores da Redação da Zero Hora. De longe as mais animadas. Tanto que se esparramavam pelas outras editorias, ia gente de todo o jornal nos nossos convescotes.

Houve festas históricas, que causaram separações de casais que pareciam eternos e junções de casais que pareciam inverossímeis. Sempre tínhamos convidados especiais, alguns mais especiais do que os outros. Um desses, um especialíssimo, o Carlos Urbim.

Numa de nossas festas, realizada, se não me engano, no Clube Veleiros, à beira do rio, nós estávamos cantarolando umas musiquinhas meio que baixinho, meio que assim de viés, que a festa ia só no seu início, e o Urbim, de repente, jogou os braços para cima e saiu gritando, como se estivesse no meio de um dos velhos salões de Carnaval:

– Ó, jardineira, por que estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu?

Nos primeiros cinco segundos, nos surpreendemos; nos cinco segundos seguintes, caímos na gargalhada; cinco horas depois, ainda estávamos cantando junto com o Urbim.

Aquela história da jardineira meio que virou um código nas nossas festas. Quando o clima estava paradão, alguém olhava para o Urbim e começava:

– Ó, jardineira...

E ele já atirava os braços para o alto e saía: – ...por que estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? E a festa pegava fogo.

O Urbim era um cara divertido. Sempre que lembro dele, ele está rindo. Não consigo imaginar o Urbim sem um sorriso no rosto bondoso. Ele tinha uma voz grossa e um sotaque da fronteira oeste do Rio Grande. Falava DÊ, como os gaúchos de Livramento e Uruguaiana, não dji, como os porto-alegrenses do Bom Fim e do IAPI. “DÊ modelo a toda terra.”

Mas aquele jeito gaudério de falar enganava. O Urbim não era um homem gaudério. O Urbim era um guri gaudério-porto-alegrense-brasileiro-internacional.

Sua risada era célebre na Redação. A horas tantas, no meio da tarde, a gargalhada do Urbim ecoava de algum ponto, por algum motivo, e todos nós, 200 pessoas, sorríamos sem motivo algum detrás dos nossos terminais de computador. E o dia ficava mais alegre.

Uma vez, eu estava no bar da Zero Hora, falando sobre o Paulinho da Viola, que ia fazer um show na cidade durante o fim de semana. Comecei a cantar:

– Violão, até um dia, quando houver mais alegria eu procuro por você...

O Urbim ouviu, sorrindo.

– Tu gostas tanto assim do Paulinho da Viola? – perguntou, com sua concordância perfeita.

– Sim! – respondi. – Gosto mesmo! – e arrisquei outra: – Hoje eu vim, minha nega, como venho quando posso, na boca as mesmas palavras, no peito o mesmo remorso...

O Urbim riu muito da minha performance canhestra. No dia seguinte, veio com dois ingressos para o show do Paulinho: – Ó. Depois me conta o que achaste. Achei maravilhoso, Urbim. Um dos melhores shows da minha vida.


O Urbim não vai mais fazer o bem. Não vai mais rir com aquela sua risada que nos fazia rir sem razão. Ele morreu ontem, aos 67 anos de idade. Ó, jardineira, por que estás tão triste? Eu sei por que, jardineira. Eu sei por quê.

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