22
de fevereiro de 2015 | N° 18081
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Meus filhos cresceram, e
agora?
Jamais
envelhecemos reparando em nossa idade.
O
costume é nos perdoar, esticar as rugas com o riso, desprezar a falta de fôlego
e os ossos estalando. Ainda guardamos dentro da gente a vitalidade do
pensamento, mesmo que o corpo não acompanhe.
Relevamos
as pontadas, o cansaço e a vontade de sentar logo ao entrar em uma sala. Não
achamos que é sério. Costumamos explicar que é apenas uma indisposição
temporária ou uma noite mal dormida ou o excesso do calor.
Não
chamamos nunca a velhice pelo nome, está cheia de sinônimos.
O
único jeito de encarar o peso dos anos é pela idade dos filhos. Eles nos
denunciam. Eles nos entregam. São delatores de nossa data de nascimento.
Representam um cartório sempre aberto dentro de casa.
Não
tem como pintar o cabelo, estender pano de prato com calendário antigo ou
fingir que não é conosco.
Meus
pais esqueceram que já estão com 76 anos. Nem as cartelas vazias do remédio no
café da manhã são alarmes de suas fragilidades. Mas lembrarão imediatamente do
longo percurso se avisá-los que o caçula Miguel tem quarenta anos e que todos os
seus filhos passaram das quatro décadas.
Eu
me vejo como um guri, capaz de empreender indiadas e emendar noites
trabalhando. Por mim, não sofreria abalo psicológico, não experimentaria crise
de lobo, raposa, cachorro, hiena. Não me percebia velho. Nenhuma festa
acentuava a passagem do tempo.
Até
o momento em que comemorei o aniversário de 21 anos de minha filha. Mariana
completou a maioridade. Sou pai de uma mulher de 21 anos. Minha menina é uma
mulher.
Assim
como o Vicente, que parecia um eterno bebê, acaba de pisar na adolescência com
os dois pés. Fez 13 anos na última sexta. Meu piá tem 13 anos. A voz é de um
homem, fala grosso e chiado, bate a porta do quarto com força exigindo
privacidade.
Eu
considerava que ambos demorariam séculos imaginários para alcançar a fase
adulta. Não estou preparado para ter filhos adultos e abandonar o termo “minhas
crianças”. Como se despedir da infância pela segunda vez?
É o
medo de perder a paternidade mais pura, a confiança cega e incondicional de
seus pequenos, e também o medo de não estar mais aqui para ver a sequência da
família.
Recordo
que os 13 anos do Vicente estavam ligados à quitação do imóvel de São Leopoldo.
Era um longo financiamento, projetado para longe, numa realidade remota e
absurda. O ano de 2015 soava, no contrato de 2002, como um filme de ficção
científica.
Nem
sonhava que esta data fosse existir. Pagava religiosamente todo mês como se
fosse um dízimo perpétuo.
A
ampulheta virou e perdi a contagem. Distraído com o mar, não enumerei os grãos
de areia debaixo dos pés.
Pois
aconteceu. Chegou esse dia que me diz que estou envelhecendo, que o futuro já é
passado, onde o agradecimento e o pedido de desculpa estão soberanamente
misturados.
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