23
de fevereiro de 2015 | N° 18082
MOISÉS
MENDES
Covardias
Onde
foi parar a empatia, essa virtude que o australiano Roman Krznaric tenta
revigorar com suas pregações contra o egoísmo? Li a entrevista que a colega
Maria Rita Horn fez aqui na ZH com o filósofo que nos provoca a tentar
assimilar da forma mais profunda possível o que os outros sentem.
Li e
fiquei querendo mais. Empatia é a identificação com o drama, a alegria ou
simplesmente a cara, a voz ou o silêncio de quem vemos a nossa frente, na
vizinhança, no trabalho ou numa reportagem sobre as misérias distantes lá dos
haitianos. Ou pode ser, quem sabe, nossa identificação com as indiferenças, as
nossas e as dos outros.
Krznaric
pretende que se melhore o mundo interagindo mais com quem pouco conhecemos.
Defende, na sua biblioteca humana, que alguém pegue, ao invés de um livro para
aprender, uma pessoa estranha para conversar.
Li a
entrevista dois dias depois de ter visto muitas vezes o vídeo do jovem negro
ofendido por torcedores ingleses do Chelsea no metrô de Paris.
Foi
na terça-feira, na estação Richelieu- Drouot. Souleymane S. volta do trabalho e
tenta entrar no trem, quando é empurrado pelos torcedores que estão na porta e
cantam alto que são racistas e gostam de ser racistas.
Souleymane
faz três tentativas, é empurrado para fora do vagão e desiste. Pessoas passivas
estão na volta. Não se nota nada, nenhum gesto, uma mão erguida, uma fala, um
movimento sequer em direção ao grupo.
A
salvação pela empatia tem longo caminho nesses tempos de distanciamentos. No
metrô, o que prevalece é a apatia tão perturbadora quanto a agressividade dos
racistas.
Isso
quer dizer que, olhando aqui de longe, eu faria diferente? Talvez não. É bem
provável que aquela cena, se repetida em outros lugares, imobilizasse a
maioria, mas nem todos.
Muita
gente, em circunstâncias semelhantes, reage com vigor ao se colocar na situação
do humilhado. Na Paris das passeatas libertárias pelos humoristas assassinados
da revista Charlie Hebdo, não apareceu esse personagem.
E
assim o otimismo de Krznaric vai levando tombos. Quanto tempo levaremos para
melhorar o mundo, se estivermos na dependência de gente com déficit de empatia,
como os que admiram bovinamente a ação de racistas, nos metrôs de Paris e aqui
ao nosso lado?
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