quinta-feira, 3 de junho de 2021


03 DE JUNHO DE 2021
DAVID COIMBRA

Duas doses de vacina não protegem contra o trauma

Eu ia me exibir, contando que tomei a segunda dose da Pfizer, mas depois decidi ser humilde. Sou um homem discreto, afinal. Além do mais, podem ficar me julgando: "Ah, tomou vacina americana... Só podia. Americanófilo!". Sabe como é o povo: vê maldade em tudo.

Mas a verdade é que, ainda assim, não me sinto seguro. Isso é muito estranho. Li que a vacina garante 95% de proteção, e fico pensando nos 5%. Porque estou há um ano e meio ouvindo falar de casos horripilantes. Um sujeito tomou as duas doses, mas foi hospitalizado e entubado. Outro, morreu miseravelmente. Tem uma senhora que se curou, mas faz seis meses que não sente o gosto de nada.

Essas coisas assustam a gente. Entenda, leitor: durante todo esse tempo, tenho conferido a média de mortes do dia. Sabe lá o que é isso? Todos os dias vendo quantos morreram? Não quero mais saber da média de mortes de pessoas.

Outra aflição são essas variantes. A cada semana surge uma variante nova e mais agressiva. Será que a vacina funciona contra as variantes? Ninguém sabe, ninguém viu.

Não bastasse tudo isso, agora apareceu um troço de nome assustador: "fungo negro". Metade das pessoas que pegaram esse Fungo Negro, lá na Índia, morreu, e algumas tiveram de se submeter a operações mutilantes, como extração dos olhos.

Meu Deus!

Reconheço: estou traumatizado. Devia estar feliz com a vacina, mas fico pensando: "E as novas cepas? E a terceira onda?"

É que essa pandemia conseguiu abalar a minha crença na ciência moderna. Eu lia sobre a peste negra, sobre a gripe espanhola, sobre a lepra, e pensava: "Como eles sofriam naquele tempo".

Esse "tempo" era tudo que veio antes do desenvolvimento da medicina, antes dos antibióticos, das vacinas, da anestesia. A partir do século 20, o homem parecia ter controlado os grandes males que o atormentavam e a vida tinha tudo para se tornar mais fácil e leve.

Isso era o que se pensava, só que o coronavírus mostrou que não é bem assim. Um organismo frágil, que se desmancha com água e sabão, submeteu a Terra inteira, prendeu as pessoas em suas casas, fechou comércio e indústria, trouxe crise, fome e medo ao planeta.

Como é que isso foi acontecer?

Minha confiança na capacidade do Homo sapiens está definitivamente trincada. Derrotamos os neandertais e os tigres-de-dentes-de-sabre, mas perdemos para um organismo sem nenhuma sofisticação, invisível a olho nu, que alguns cientistas acham que nem vivo está.

Francamente, estou decepcionado com a Humanidade. E não é a primeira vez.

DAVID COIMBRA

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