12 DE JUNHO DE 2021
DAVID COIMBRA
A barba quase selvagem do Bonner
Tem sido muito comentada a barba do Bonner. Dias atrás, eu, o Potter e a Kelly entrevistamos a repórter Glória Maria, no Timeline, e o assunto que mais a entusiasmou foi esse. Ela descreveu com pormenores o momento em que viu, pela primeira vez, o Bonner barbudo. Disse que ele chegou com aquela barba e bronzeado das férias e ela quase desfaleceu:
- Um Apolo!
Foi como o definiu: um Apolo. Fiquei pensando na comparação. Apolo era mesmo um deus famoso por sua beleza, mas também se tratava de um guerreiro. Chamavam-no "o deus que fere de longe", porque sua arma preferida era o arco e flecha. Com uma flechada, matou a serpente Píton, em Delfos. A população local, agradecida, lhe ergueu um templo que abrigava o mais infalível oráculo da Grécia.
Esse templo tinha gravada, na sua porta de entrada, a frase basilar da filosofia e da psicanálise, usada por Heráclito, Sócrates, Schopenhauer, Nietzsche e Freud: "Conhece-te a ti mesmo".
Ou seja: Apolo era muita areia para o caminhãozinho do Bonner. Mesmo assim, a Glória Maria repetia: "Um Apolo, um Apolo..." Tudo por causa da barba. Naquela noite, assisti ao Jornal Nacional e prestei atenção à barba dele: uma barba em duas cores, preta e branca, aparada com esmero, retinha, nenhum fio fora do prumo. Há cuidados naquela barba, vê-se. Há critério.
Já usei barba, por pouco tempo, mas nunca consegui, nem jamais conseguiria, harmonia capilar igual à do Bonner. Também, vou dizer: não é esse o objetivo da barba. Ao contrário: o objetivo é dar ao rosto certa aragem de selvageria. Por isso eu, quando guri, queria muito que logo me crescesse a barba. Imaginava-me chegando e as gurias comentando:
- Que barba! Que homem!
- Macho! Ele é macho!
Mas a barba não vinha nunca. Só uns tufos aqui, outros ali. Contentava-me pensando que os macedônios de Alexandre, o Grande, eram todos glabros, e conquistaram o mundo. Lembrava ainda de um dos episódios mais extraordinários da história da Antiga Roma, a derrota dos romanos comandados por Varo para os germanos de Armínio. Você assistiu ao seriado Barbarians, que recomendei tempos atrás? Não? Devia. Trata, exatamente, dessa batalha, em que os germanos dizimaram 20 mil romanos. Augusto, o imperador romano, ao saber do fracasso, batia com a cabeça nas colunas do palácio e gania:
- Varo, Varo, devolve as minhas legiões!
Pois ficou tão triste, o Augusto, que passou meses sem fazer a barba, em sinal de luto. Isso significa que a barba não serve apenas para denotar sua masculinidade, mas também a sua tristeza.
Era pensando nesses exemplos históricos que me consolava por ter barba rala. Mas, com a ação do tempo e dos hormônios, minha barba começou a se tornar mais densa. Então, com paciência e zelo, deixei-a se desenvolver. E ela cresceu com bom vigor, embora não fosse exatamente fechada. O problema é que me pinicava e coçava e eu sentia calor. Não era confortável ter barba, era até irritante. Mas, ao mesmo tempo, eu queria ostentar o tal ar selvagem. Sacrificava-me, portanto, pelas aparências. Vaidade das vaidades, tudo é vaidade debaixo do sol, como dizia o Eclesiastes.
Continuei naquela dúvida, corto ou não a barba?, até o dia em que, ao dar um abraço mais entusiasmado na namoradinha da época, ela miou:
- Ai, assim tu me machuca com essa tua barba...
Lembrei-me de imediato da música do Chico:
"O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me deixar maluca
Quando me roça a nuca quase me machuca com a barba malfeita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas quando ele se deita
Ai...".
Sorri. Senti-me másculo. Másculo!
- OK, garota - falei. - Por você, tirarei a barba.
E tirei, com grande alívio. Já tinha sido selvagem o suficiente.
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