sábado, 12 de junho de 2021


12 DE JUNHO DE 2021
FLÁVIO TAVARES

NAMORAR HOJE

Nasci num 12 de junho, muito antes de que fosse oficializado como "Dia dos Namorados". Quando vim ao mundo, era o "Dia de Santo Antônio", o "casamenteiro", ao qual recorriam (especialmente) solteirões e solteironas numa época de noivos em trajes de gala, ela de tule e vestido branco de longa cauda, ele de gravatinha-borboleta.

Assim, sou inocente quanto ao lado postiço e mercantil da data. Da cafonice à autêntica alegria de renovar juras de amor, tudo se juntou, no entanto, e quisera que cada um se sentisse como me sinto hoje - um enamorado da vida e do amor pela natureza.

Sim, pois este é o namoro perene e constante que nos leva ao amor maior. Unir-se à pessoa amada e com ela partilhar tudo, do erotismo ao pensamento, nos integra ao mundo e mostra que o namoro profundo e autêntico (infinito, até) vai além de nós.

Hoje, quando as bugigangas da sociedade de consumo se transformam em supostas "nece$$idade$" que devastam a vida no planeta quase no ritmo da covid-19, namorar é um gesto de salvação. Parecerá grandiloquente dizer "salvação", mas é verdadeiro. A continuidade da vida no planeta está ameaçada pela crise do clima (provocada pelos combustíveis fósseis, como carvão e petróleo) e, assim, o compromisso fundamental é namorar a natureza.

Namorar é extravasar algo ativo que nos integre ao outro, ao próximo. Transformemos o 12 de junho, portanto, em atos de amor à natureza, num namoro constante com a obra da Criação e sua evolução. Em vez de presentinhos, esta é a oferenda.

A pandemia brutalizou até o namoro a dois, dificultando a intimidade do beijo ou até do abraço, mas não nos fechou o caminho do amor à vida no planeta. Preparemo-nos, pois, para este namoro de amor intenso.

Namorar é, também, localizar o horror para que não se aninhe no poder. É a forma de nos alertar sobre os absurdos dos que se dizem intocáveis para ocultar a bandidagem.

A Polícia Federal descobriu agora algo estarrecedor: o líder do governo Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra, recebeu propina de R$ 10 milhões de empreiteiras quando ministro de Integração Nacional no governo Dilma Rousseff. O relatório enviado ao Supremo Tribunal pede o bloqueio de R$ 20 milhões da conta bancária do senador bolsonarista do MDB.

Num país em que os políticos mudam de partido como se trocassem a camisa suada no verão, namora-se o poder para arrombar o cofre.

Namoro assim é tão falso quanto anel de lata e pedra de vidro da velha canção da infância.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

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