domingo, 27 de junho de 2021


26 DE JUNHO DE 2021
BRUNA LOMBARDI

ESSE ESTRANHO CHAMADO DESEJO

Umas das coisas que mais me intrigam no ser humano é o desejo. A escolha daquilo que desejamos feita de uma forma inerente e espontânea, sem que sejamos obrigados a fazer, mas pela nossa livre vontade diante de muitas opções. Não falo daquelas coisas necessárias, que precisamos fazer de qualquer jeito e que talvez nem faríamos se fosse possível. Falo dessas escolhas deliberadas, impensáveis, perigosas, absurdas para muitos. Esse mecanismo dentro de nós capaz de ter vontade própria, de estarrecer o bom senso do mundo e até mesmo o nosso. Um desejo tão imperativo que desafia inclusive o medo, o risco, o perigo.

Gente movida pela paixão de fazer coisas que qualquer um de nós não faria em sã consciência. O desejo de se atirar de um avião em queda livre, escalar o Everest, surfar nas ondas gigantes. O impulso de se entregar a uma ordem mandatória dentro de você, num permanente confronto com a morte, mas sem nenhum desejo de morrer. Apenas pelo prazer da aventura.

Gente que faz isso não por heroísmo ou lucro mas pela devoção de realizar seu sonho. Por desejar fazer aquilo acima de quase tudo. Lobos solitários em seu imenso e extraordinário enfrentamento.

Podem parecer loucos para uma grande maioria, mas fazem parte de grupos de pessoas que querem muito fazer essa mesma coisa, enquanto o resto de nós, espantado, tenta entender o porquê.

Vi, por exemplo, as fotos e o vídeo de Maya Gabeira que, surfando uma daquelas ondas gigantes, tipo 24 metros, na praia de Nazaré, em Portugal, caiu e foi arrastada pelas aguas. Foi tirada do mar inconsciente por sua equipe de resgate. Foi um susto enorme, e ela viu a morte de perto. Por uma fração de tempo teria morrido.

Uma coisa infinitamente menor do que essa, na vida de qualquer ser humano, resultaria num tremendo trauma irrecuperável, suficiente pra alguém nunca mais querer nem sequer pisar na areia da praia. Colocar os pés na agua, nem pensar.

Mas para alguns o desejo é soberano, e um ano depois ela bate o recorde feminino, na mesma praia, surfando sua maior onda gigante.

Não menos espetacular, o holandês Wim Hof é um outro exemplo de atleta extremo, capaz de nadar sem roupa por horas debaixo do gelo, desafiando a capacidade de alguém suportar a mais gelada das temperaturas. Ou Alexander Honnold, um alpinista que escala montanhas numa técnica chamada Free Solo, isto é, subir uma montanha de pedra completamente sem cordas. Basta assistir ao documentário, também chamado Free Solo, que acompanha sua escalada, apenas com as mãos e unhas, do impressionante El Cap, no Yosemite Park, um monólito de quase mil metros. Sua aventura foi considerada a maior conquista atlética de todos os tempos.

Sou amiga do Amyr Klink, cuja paixão é navegar solitário, atravessar oceanos e de preferência ficar por mais de seis meses preso no gelo da Antártica, sozinho, isolado num minúsculo veleiro, conforto zero nas tempestades geladas do Polo Norte. O que seria um pesadelo para qualquer ser humano, para Amyr é o sonho da vida. Alguém consegue me explicar isso?

Dá pra entender esse estranho chamado Desejo?

BRUNA LOMBARDI

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