sábado, 19 de junho de 2021


Um minuto de silêncio

Tenho percebido que a poesia anda visitando as redes sociais com uma frequência que não havia antes. Atores e atrizes dizem poemas, Betos e Marias dizem poemas, e os versos se espalham por escrito também, alguns fotografados direto dos livros. Poesia, veja só. Aquela flor atrevida que surge entre os tijolos dos muros e as lajes das calçadas, e que altera a visão do mundo.

Não foi combinado, ninguém propôs, não marcaram dia e hora para começar. Começou. Alguém lembrou de Bandeira numa terça, outro puxou uma Cecília Meireles na quarta, um Manoel de Barros veio à tona sexta-feira, e das páginas os versos saltaram para o universo digital, que estava mesmo precisando de algo mais depurado do que a bruta troca de ofensas entre dois lados.

A poesia como resposta ao que não nos foi perguntado: merecemos uma sociedade tão desnutrida de valor, tão árida, estéril e nefasta? Em meio a um país fúnebre, contando mortos e motos, sendo infectado diariamente pela estupidez e assistindo à ascensão da miséria intelectual como se fosse um triunfo, vem a poesia em nosso socorro e traz um pouco de luz. Palavras cintilantes, como vagalumes aqui e ali, acendendo tochas na escuridão.

A poesia, que tantos acham difícil e solene, vem juntar-se aos nossos estilhaços, às nossas lives e postagens, vem nos acariciar e sussurrar belezas, vem promover um breve instante de comoção, vem preencher o vazio e espantar essa esquisita friagem vinda da região central do Brasil, esse espírito glacial que intenciona trocar nossos vestidos vaporosos e camisas coloridas por fardas que enrijecem o caminhar, a liberdade dos passos. Vem ela, a poesia, colocar-se a postos para esse confronto de delírios, ofertando, em contraste, sua magia. Em vez de lunática, inteligentemente anárquica; em vez de pirada, inspirada. Esparramando bom astral por onde passa.

A poesia está no varal e suas roupas penduradas, no semblante da moça dentro do ônibus, num guarda-chuva preto atrás da porta, na chama da vela que treme ao abrirem uma janela, nas mãos dadas dentro do cinema. A poesia está no resto de bolo na geladeira, no vapor que embaça o espelho depois do banho, na cama desarrumada do quarto. Seu filho dormindo também é um poema.

A poesia não é oculta, e sim discreta. Basta um convite do olhar e ela se revela, para então se esconder novamente atrás da pressa, do tédio, do desencanto, do barulho.

Hoje estou aqui para saudar a reação espontânea de tantos internautas, necessária resistência diante da tentativa de arrancarem de nós o que é sentimental, deixando-nos apenas palavras rudes e paredes com marcas de tiros. A poesia, milagreira, retorna. Flor que brota no cimento, e que, insolente e bela, nos salva, nem que seja por um minuto, aquele respeitoso minuto de silêncio.

MARTHA MEDEIROS

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