terça-feira, 22 de junho de 2021


22 DE JUNHO DE 2021
NÍLSON SOUZA

Chega de saudade

Já li e ouvi várias vezes que a palavra mais bonita da língua portuguesa seria saudade. Se era, está deixando de ser nestes tristes tempos em que tanta gente parte sem se despedir. Claro que não estou propondo sua abolição do vocabulário, até mesmo porque ela continua expressando também o nosso desejo de reencontrar amores e afetos temporariamente afastados. Mas, nos dias atuais, não há como evocá-la sem lembrar pessoas queridas que não veremos mais.

E, por falar em saudade, sinto falta do professor Adalberto Kaspary - mais da sua incomparável gentileza do que do seu profundo conhecimento da língua portuguesa. Ele era uma espécie de pronto-socorro 24 horas para mim e para outros escribas que também exploravam sua amizade. Sempre que eu tropeçava em alguma palavra ou expressão mais complicada neste meu ofício de juntar letrinhas, pegava o telefone e ligava para ele. Eram outros tempos, as pessoas ainda atendiam às ligações telefônicas sem a necessidade de consulta prévia por escrito.

Mestre dedicado e atencioso, estava sempre disponível, até mesmo quando a gente o incomodava para arbitrar algum tira-teima desimportante ou para satisfazer simples curiosidades.

- Professor, qual é o aumentativo de flor?

E lá vinha ele com a explicação completa, muitas vezes até com a etimologia do vocábulo e a citação de meia dúzia de escritores e dicionaristas para comprovar a legitimidade da resposta. Nem precisava. Eu jamais duvidaria daquele homem simples e culto que decifrou todos os verbos da linguagem jurídica e nos deixou verdadeiras obras-primas do vernáculo antes de partir suavemente para outra dimensão, seis anos atrás.

Perdi a oportunidade de perguntar a ele sobre a palavra saudade e suas controvérsias. Afinal, é mesmo uma exclusividade da nossa língua? É a mais bonita do nosso idioma? Pode ser utilizada no plural ou vale a regra das palavras abstratas, que não são enumeráveis?

Mesmo com o risco de ser contestado por algum lexicógrafo mais conservador, defendo o plural. Nem que seja só para justificar uma trova que decorei na adolescência e que ainda faz sentido: "Saudades de alguém ausente/ devem ser tristes, por certo. / Mas são mais tristes, se a gente/ as tem de alguém que está perto".

A verdade é que ando louco para trocar saudade por abraço. Também no plural.

NÍLSON SOUZA

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