21 DE JUNHO DE 2021
EM DIA
O LUTO INVISÍVEL
Das sociedades tradicionais às contemporâneas, rituais compartilhados dão significado e fazem uma transição para determinadas práticas coletivas: religiosas, formaturas, casamentos, mortes. Estamos vivendo tempos exigentes com a ausência dos ritos fúnebres. Esses momentos têm grande importância, pois não só marcam a transição de um ciclo de vida para uma etapa de luto, como ajudam a lidar com a dor, a ausência e a saudade daqueles que amamos. Nesses espaços, os enlutados recebem amparo dos familiares e amigos, vivendo um momento de reflexão e reconhecimento. Passar por um processo de luto tangibiliza a perda.
Rituais fúnebres são ritos de passagem. Marcam a separação. Marcam a diferença entre mortos e vivos. Para algumas culturas do Oriente, lidar com a morte é algo mais natural. Eles têm uma visão mais próxima da natureza. Quem morre volta à natureza. Com a pandemia, estamos vivendo a perda desse ritual. Por conta da ausência desses rituais passamos a viver um luto invisível.
Para os enlutados pelas perdas por covid, a fragilidade é ainda maior. Não puderam estar junto do ente querido em suas últimas horas de vida. Com caixões fechados, passamos por um processo de negação, como se aquilo não existisse. A psiquiatra Elizabeth Kubler-Ross escreveu um clássico na compreensão do processo de elaboração do luto. Ela sugere que uma pessoa na iminência de morte e as pes- soas com vínculo afetivo podem passar por até cinco estágios: negação, raiva, negociação/barganha, depressão, aceitação.
A morte não passa incólume. Para nós, que chegamos ao absurdo de 500 mil vidas perdidas (muitas evitáveis), os efeitos serão muito maiores. Com a pandemia perdurando no tempo, precisamos de novos rituais. Encontrar uma maneira para que as pessoas internadas e seus afetos possam, de forma segura, se acolher, se despedir, nem que seja por videochamadas.
Essas conexões amenizam as angústias, possibilitam uma aproximação e podem ajudar na elaboração do luto. Felipe Pimentel, historiador e psicanalista, que está escrevendo um livro sobre o assunto, diz que "provavelmente todos sairemos mais frágeis dos efeitos de uma sociedade que passou por estresse extremo. Vamos precisar de um olhar muito atento para nossa saúde mental. Eventos como esse, historicamente, tendem a ser bastante transformadores, como a queda de certezas, de convicções".
Vivenciar os rituais da morte é essencial para que possamos refletir e conviver com o incontrolável da vida. Com ele aprendemos que é possível viver sem tantas idealizações e certezas. Ajuda-nos a reconhecer a transitoriedade e nos convida a estar, cada vez mais, no aqui e agora, celebrando a saúde, o que já somos, o hoje.
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