18 DE JUNHO DE 2021
EDUARDO BUENO
Sua vida daria um livro
Ok, a minha também, podes crer. Tanto é que volta e meia pessoas próximas batem na santa tecla: "Não vais contar tuas histórias com o Bob Dylan?". Ou então: "E aquela viagem de Nova York a Porto Alegre de carona, essa tem que ir pro papel". E ainda há os encontros com os luminares da geração beat, um breve e voluntário exílio no mato e mais isso e mais aquilo. Mas a questão não é essa. A questão é que, dentro dumas, qualquer vida daria um livro, saca? O ascensorista que passou 30 anos abrindo e fechando a porta pantográfica, o devotado lixeiro, o taxista com toda certeza, mas o taxidermista também. Todos têm história para contar. Não duvido que até a faustosa e enfadonha vida do desembargador renda algo - até porque, se aposentando tão cedo, tempo e grana eles têm de sobra.
Mas nenhum desses me procurou com uma proposta indecente. Ainda. Sim, porque embora muita gente fale que minha vida daria um livro, outros tantos já se aprochegaram dizendo que a vida deles - ou a de um seu parente - daria um melhor. E o pior: contando comigo para escrevê-lo. Algumas vezes acabei convencido - e, apesar de o dinheiro sempre ter sido um ingrediente significativo, nunca foi o determinante. De todo modo, acabei fazendo meia dúzia de biografias, entre elas a do empresário Sheun Ming Ling, criador da Olvebra, e a do prodigioso A.J. Renner (em parceria com Gunter Axt). E agora escrevo a vida do empresário do aço Rudolph Fritsch, projeto que está só um ano e meio atrasado.
Nesta semana, duas autobiografias me caíram nas mãos e, embora eu não as tenha escrito, minha vida que daria um livro se vincula a ambas. O indômito cantor e compositor Wander Wildner, velho amigo e compañero de pequenas e grandes rebeldias, lançou seu fervilhante Aventuras de um Punk Brega. Como nenhuma editora parece ter se interessado pelas afiadas e afinadas dissonâncias de Wander, ele fez um crownd funding, juntou uns trocados e lançou uma bela edição de capa dura e miolo mole. Dá para comprar no site dele e, se você busca ação, aventura e linhas tortas que apontam no rumo certo, fica a dica.
A outra vida em letras se acha em Onde Está Isabel?. O livro é de Isabel Bohrer, minha ex-sogra - e, você sabe, sogras passam, mas ex-sogras são para sempre. Como na canção clássica do Eurythmics, Isabel travelled the world and the seven seas: 360 cidades, em 42 países. Como a sorte sempre lhe sorriu, aqui e acolá, Isabel não precisou de fundos, além dos próprios, para transformar seu diário de bordo numa volta ao mundo em 90 anos, a idade que vai completar. O livro saiu pela Libretos, a renda vai toda para a Santa Casa e é uma viagem.
Então, faça o que eu digo e faça o que eu ainda não fiz: se sua vida dá um livro, trate de escrevê-lo. Mas só me convide se em troca tiver um monte de letras de câmbio.
EDUARDO BUENO
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