sexta-feira, 1 de março de 2013



01 de março de 2013 | N° 17358
DAVID COIMBRA

O discurso do papa

Não sei ao certo se as pessoas dão muita importância à Igreja Católica ou se as pessoas não dão nenhuma importância à Igreja Católica. Essa dúvida me dilacera.

A cobertura alentada e emotiva que a imprensa ocidental faz acerca da renúncia do papa leva a pensar que, sim, as pessoas dão importância à Igreja Católica. Não dessem, os veículos não gastariam tanta tinta e papel em artigos sobre os cardeais e tantos euros em diárias de seus correspondentes em Roma. Mas será que essa mesma imprensa e seu pio público consumidor sentem diferença entre a gestão de um papa e outro? Suspeito que não.

Baseio minha suspeita na maneira como as diretrizes papais são recebidas pelos fiéis e pelos infiéis. Por exemplo: quando o papa fala que as pessoas não devem usar camisinha nas relações sexuais, ocorre um fenômeno interessante: só quem se importa com o discurso do papa são as pessoas que não se importam com o papa. Quer dizer: os que não são católicos, nem são religiosos, talvez sejam até ateus, são esses que vão protestar no Vaticano.

Aquelas mulheres seminuas que mostram os seios balouçantes na Praça de São Pedro e gritam contra o reacionarismo da Igreja, elas não vão à Igreja, nem seguem os preceitos da Igreja e estão pouco se lixando para as leis da Igreja. Mas reclamam da Igreja.

No entanto, aquelas outras mulheres, as carolas que se postam devotamente na mesma Praça de São Pedro, olhando esperançosas para a sacada dos aposentos do papa, só que com os seios pudicamente cobertos e os pulsos enrolados por contas de rosários, essas mulheres que vão à missa, rezam para seus santos protetores e veneram o pontífice, essas ouvem o discurso do papa contra o uso da camisinha, balançam a cabeça afirmativamente e, à noite, na alcova, fazem sexo usando camisinha.

Dá para entender? Isso acicata ainda mais a minha dúvida: as pessoas se importam ou não com o papa e a Igreja, afinal?

Eu, francamente, gostaria de me importar. Gostaria que o papa, como indica o nome, fosse um pai universal a quem ouvisse com devota atenção a fim de beber de sua sabedoria. Um pai. Sim, gostaria que ele fosse de fato um pai que me dissesse o que fazer, que separasse o certo do errado. Queria muito isso e acho que o mundo precisa disso. O mundo precisa de um pai. Mas como acreditar em um pai que manda fazer sexo sem camisinha?

Nenhum comentário: