04
de junho de 2015 | N° 18183
CARLOS
GERBASE
MAU CINEMA, MÁ FILOSOFIA
Nos
últimos anos, vários livros foram lançados relacionando filmes e séries de TV
com aspectos psicológicos e filosóficos do comportamento humano. Alguns parecem
sérios, enquanto outros trafegam naquela perigosa fronteira entre a autoajuda e
a picaretagem.
Ninguém
duvida que uma obra de arte – e em especial as obras de arte narrativas, como
os quadrinhos, a literatura e o cinema – são capazes de suscitar reflexões
enriquecedoras em inúmeros campos do conhecimento científico. Mas tudo depende
da qualidade da obra e de sua capacidade de dialogar criticamente com o mundo.
A HQ
Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons, por exemplo, é uma excelente introdução
sobre o caráter autodestrutivo dos seres humanos, tanto como indivíduos que
oscilam em frações de segundo entre o heroísmo e a sordidez, quanto como uma
espécie inteira que cava sua própria cova.
Os
Sopranos, de David Chase, é muito mais que uma série de TV. É um estudo
complexo sobre o mal como um efeito colateral cotidiano e inevitável do
capitalismo. E o que dizer da dupla Breve Romance do Sonho, de Arthur
Schnitzler, e do filme De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick? Esses podem
ser material didático de um doutorado em Harvard ou Oxford.
Um
dos títulos campeões no cruzamento do cinema com a filosofia é Matrix, dos
irmãos Wachowski. As noções de virtualidade (Pierre Lévy, Negroponte) e de
dominação do homem pela técnica (Heidegger, Flusser) parecem aflorar
naturalmente em várias cenas, o que levou o filme a ser citado em milhares de
teses universitárias. Os irmãos Wachowski pareciam ter algo a dizer sobre o
destino do homem, e nós deveríamos ouvi-los com atenção.
Por
isso a decepção com seu novo filme, O Destino de Júpiter, não é apenas
estética, resultado de uma concepção visual que pretende ser pós-moderna, mas
só consegue ser confusa, e de um roteiro infantil, com alguns dos piores
diálogos da história do cinema. É uma decepção filosófica.
Como
os Wachowski conseguiram gastar mais de US$ 170 milhões para produzir aquilo?
Se alguém tentar escrever um livro de filosofia baseado no filme, ele terá só
uma página, com a seguinte frase: “Desculpe. Nada tem sentido”. E a capa vai
ser bem ruim.
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