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terça-feira, 1 de setembro de 2009
01 de setembro de 2009
N° 16081- MOACYR SCLIAR
À mesa com Lula
Nunca antes na história deste país, houve um presidente que usasse com tanta frequência a expressão “nunca antes na história deste país”. Lula pode fazê-lo. De fato, sob muitos aspectos ele é diferente, a começar por sua constante e impressionante popularidade, uma fonte de irritação para os inimigos.
Nada gruda nele, nenhuma crise, nenhuma acusação. Vilões são o Sarney, o Mercadante; Lula, não. Esta espécie de imunidade tem, contudo, uma explicação, a mesma, aliás, que gera as críticas provenientes da esquerda mais radical.
Lula não é um revolucionário. Talvez o tenha sido em sua juventude, mas, como ele mesmo diz, governar ensina lições, e a lição que aprendeu é exatamente esta: não dá para fazer uma revolução modelo soviético ou cubano no Brasil.
Durante seu mandato, e durante o mandato dos que o precederam, o país evoluiu demais na direção de uma economia de mercado. Uma das consequências disso foi a emergência de uma crescente classe média abrangendo amplos setores do antigamente denominado proletariado.
Resultado: aquela polarização entre uns poucos ricos e opressores patrões e uma massa de assalariados já não existe mais. Embolou o meio de campo. Embolou mesmo: a negociação política, social, cultural é cada vez mais complicada, tal a quantidade de atores se manifestando.
Lula é um soberbo negociador. E é um negociador por causa de seu passado sindicalista. O sindicato pode combater o capital, pode pressionar o capital para conceder mais aos trabalhadores, mas o sindicato não é contra o capitalismo. Não pode ser contra o capitalismo, porque, se não houvesse capitalismo, não haveria sindicato. A fórmula das sociedades atuais encontra-se na expressão americana: o grande capital, o grande governo, o grande sindicato.
O governo aí é a incógnita. Para Marx, tratava-se de um claro instrumento do capital. Os sindicalistas modernos, no Brasil e em outros países, descobriram que não precisava ser assim. Eleições podem botar o sindicalismo no poder. Só que, ao invés de movimento sindical, é preciso fazê-lo através de um partido.
Estes dois termos, movimento e partido, são muito eloquentes. O movimento se mexe, o movimento faz marchas, o movimento invade, o movimento quebra, o movimento incendeia. O partido, não.
O partido, porque é partido, porque é uma fração da realidade política e social, precisa se compor, precisa formar alianças, mesmo que sejam, ou pareçam, espúrias. O partido negocia. E, ao negociar, tem de enfrentar as críticas daqueles que colocam a teoria acima da prática, os princípios acima do pragmatismo.
O grande símbolo dessa discussão é a mesa. Ao longo da história, a mesa representou papéis diferentes. No caso do cristianismo, aparece naquele que foi o evento fundador de uma nova crença: a Santa Ceia. Ali estava Cristo com seus apóstolos, inclusive o traidor Judas; ali introduziu a Eucaristia.
Depois, a atitude em relação à mesa variou muito. O capitalismo faz mesas, o capitalismo vende mesas. Os revolucionários confiscam as mesas e declaram-nas propriedade do povo.
Os terroristas viram as mesas, quebram as mesas, destroem as mesas. E os sindicalistas sentam à mesa, para nela colocarem suas reivindicações.
A mesa em si serve muito bem para negociação: separa pessoas, coloca um obstáculo físico entre interlocutores, mas ao mesmo tempo fornece um território comum.
E, se na mesa há uma refeição, como aconteceu no jantar em que Lula negociou o pré-sal com os governadores, é o ideal: o alimento acalma a agressividade.
A mesa. Nunca antes na história deste país, ela foi tão importante. A mesa de Lula que o diga.
A data de anúncio do acordo do pré-sal não poderia ser mais oportuna: é o fim de agosto, é o fim do desgosto, é a esperança de uma primavera risonha anunciada pela riqueza petrolífera. Oxalá dê certo.
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