sábado, 19 de setembro de 2009



20 de setembro de 2009 | N° 16100
DAVID COIMBRA


Uma história de lordes, ladys e condes

Durante uma de suas temporadas londrinas, o conde Alfred d’Orsay envolveu-se com uma mulher casada. Esse d’Orsay do conde, se você reparou, é o mesmo d’Orsay do belíssimo museu montado em uma antiga estação de trem de Paris, quase em frente ao Louvre, só que do outro lado do rio. Tenho dúvidas se o museu foi batizado em homenagem ao conde, talvez seja por causa do pai dele, um dos generais de Napoleão. Tanto faz. Um ou outro, é bom visitar o museu e contemplar seus Van Goghs e seus impressionistas e tudo mais.

Mas o conde. Ele também foi célebre, só que por sua elegância, sua inteligência, sua beleza e sua cultura. Um homem de tal quilate enfeitiça inclusive as casadas mais castas. Foi o que se deu.

Chamava-se Margareth, a dita-cuja, mas em toda a Velha Álbion conheciam-na como Lady Blessington. A história dessa lady é deliciosa. Era irlandesa, filha de um juiz de pouca projeção, mas alguma ambição. Por conta desta segunda característica, ele obrigou a filha a casar-se aos 15 anos de idade com um compatriota irlandês que tinha a vantagem de ser rico e a desvantagem de ser louco.

Margareth suportou o matrimônio até conhecer Lord Blessington, grande proprietário de terras inglês, riquíssimo, como sói acontecer com grandes proprietários, pai de duas filhas e, o melhor de tudo, viúvo. O lorde olhou para Maggie e se embeveceu de imediato com sua beleza alourada e provocante. Fez com que se divorciasse, casou-se com ela e levou-a para a Inglaterra.

Lá, conheceram d’Orsay. Era um homem de conversação impecável, um perfeito dândi, experiente no convívio com nobres dos mais requintados salões europeus. Com sua conversinha de conde, d’Orsay conquistou ambos os Blessingtons, o lorde e a lady. Tornou-se amante da lady.

O lorde? Uma coisa ou outra: nem sequer desconfiava da infidelidade de Margareth ou não se importava com isso. Porque d’Orsay passava o tempo todo com o casal.

O tempo todo mesmo: quando os Blessingtons viajaram de férias para a Itália, levaram o conde junto. Lord Blessington sentia-se tão satisfeito com esse convívio que fez um testamento deixando para o conde a maior parte da sua fortuna. No entanto, havia uma condição: d’Orsay teria de se casar com uma de suas duas filhas, à sua escolha.

Quando o lorde morreu, d’Orsay decidiu casar-se com a mais velha, então com 16 anos. Lady Blessington, prática, como todas as mulheres, concordou com o enlace; e ardilosa, como todas as mulheres, fez d’Orsay prometer que não manteria relações com sua enteada.

O conde, arrebatado pela lady, topou o arranjo. Durante algum tempo, os três conviveram em harmonia, o conde, sua esposa virgem e a madrasta-amante. A filha de Blessington, contudo, cresceu, transformou-se em uma mulher atraente e desejável, e resolveu acabar com a farsa. Foi-se embora e deixou o conde com a lady.

Não é um homem digno de admiração, esse conde d’Orsay? Um fidalgo, um cavalheiro e ao mesmo tempo um sedutor. Fosse compará-lo a um time de futebol, o compararia ao Fluminense.

O Fluminense foi fundado em 1902. Junto com o Grêmio, que é do ano seguinte, é o mais antigo e tradicional dos grandes clubes brasileiros. O Fluminense é dono do lindo Estádio das Laranjeiras, sede do primeiro jogo da Seleção Brasileira. O Fluminense é também um clube de dândis.

Um de seus jogadores-símbolo, o goleiro Marcos Carneiro de Mendonça, era praticamente um d’Orsay. Jogava com uma fitinha roxa prendendo-lhe os calções, era alto, magro, de uma distinção pálida que extraía suspiros das carioquinhas do começo do século passado. E o maior jogador do Fluminense, Roberto Rivellino, jogava como um fidalgo.

Seu pé canhoto número 37 batia na bola como se fosse um sir britânico dando uma tacada de críquete – com donaire, são raros os que tocam na bola com donaire.

Pena que esse nobre Fluminense, que ora enfrenta seu quase contemporâneo Grêmio, é, como foi d’Orsay, um perdulário. Uma vez, uma única vez, o futuro primeiro-ministro Disraeli viu-se obrigado a cobrar uma dívida de d’Orsay. O conde suspirou:

– Juro por Deus que não tenho um só penny na minha conta bancária.

Era verdade. Até os nobres, às vezes, enfrentam essas desagradáveis vicissitudes plebeias.

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