sábado, 19 de setembro de 2009



20 de setembro de 2009 | N° 16100
MOACYR SCLIAR


Tu e você

A tradução de textos meus para idiomas como japonês, búlgaro, russo, hebraico nunca deu problemas. Problemas tive em Portugal (a editora hesitava se ia publicar os livros em “português” ou “brasileiro”) e com uma editora aqui do Brasil: eles queriam que eu trocasse o “tu” de minhas histórias por “você”.

O que eu recusei, e por uma simples razão: a narrativa tinha como cenário o Rio Grande do Sul e aqui, o pronome da segunda pessoa é o “tu”.

“Tu” e “você” são diferentes. O monossilábico “tu” é curto, direto e sem cerimônia, ainda que afetuoso. É o pronome que Deus usa, quando fala com Abraão, com Moisés; dá para imaginar o Altíssimo usando “você”? Não dá. “Você” é maneiroso; mais, em “você” encontramos o som sibilante da segunda sílaba.

Sibilo, como sabem as serpentes e os adolescentes empenhados em conquistar garotas, implica sedução. Por outro lado, “você” vem de “vossa mercê” (via “vosmecê”), e isso dá ao pronome uma conotação reverente, submissa, típica da cultura genuflexa que caracterizou o país desde o período colonial, mas que não se coadunava bem com espírito altaneiro do gaúcho. Enquanto estivemos isolados, na ponta (e na fronteira) do Brasil, o “tu” não teve vez.

Mas, aos poucos, o país foi ficando uma coisa só, com uma linguagem unificada pelas redes de tevê, e depois, pela internet. E nestas, o “você” (“vc”) é a regra. Muita gente aqui no Sul passou a adotá-lo, a começar pelos locutores esportivos. As garotas fazem o mesmo, mas por motivo diferente: usam o “você” quando querem manter à distância um assediador.

“Tutear”, aliás, significa adotar um comportamento linguístico mais íntimo, mais próximo; na França, “tutoyer” só é permitido em amizades consolidadas; para as pessoas em geral aplica-se o “vós”, o cerimonioso”vous”. É uma regra que funciona. No Rio Grande do Sul, ao contrário, surgiu um dilema: “tu” ou “você”?

Diz, em seu blog, o mestre Claudio Moreno: “Numa espécie de darwinismo linguístico, as duas formas passaram a disputar a preferência dos falantes.

Ambas estão ainda em uso, mas a direção de tendência – ou seja, o rumo inexorável para onde os dados linguísticos apontam – parece ser a supremacia absoluta do ‘você’ e a retirada de cena do ‘tu’, assim como já aconteceu com o ‘vós’ (lembro apenas que essa disputa vai durar alguns séculos, ao longo dos quais as hesitações vão naturalmente continuar ocorrendo).”

Todas estas considerações emergem, claro, a propósito deste 20 de setembro, a data máxima da gauchidade. É a festa do churrasco (sem cacos de vidro; gaúcho não assa a carne em churrasqueira que parece vitrina, como aquela do Palácio da Alvorada, e portanto não corre o risco de estouro do vidro), a festa do chimarrão, a festa da cavalgada – e a festa do “tu”.

E a festa do Hino Farroupilha que, numa versão de maio de 1839, dizia, em sua primeira estrofe: “Nobre povo rio-grandense/ povo de heróis, povo bravo/ conquistaste a independência/ nunca mais serás escravo.” Ou seja: o Hino usava o “tu” , ainda que subentendido. Na versão definitiva não aparece a segunda pessoa. Nem “tu”, nem “você”, mas sim “nós”: “Mostremos valor, constância...”

É um grande pronome, o “nós”. Grande como o Rio Grande.

Nesta terça-feira, dia 22, às 19h30, o psicanalista Abrão Slavutzky, frequente colaborador de ZH, estará lançando seu livro Quem Pensas Tu que Eu Sou?, abordando o sempre oportuno tema da identidade pessoal. Será na Livraria Cultura, e na ocasião haverá um debate com o também psicanalista e diretor teatral Júlio Conte.

A Zita Possamai aborda a questão dos acervos públicos – bibliotecas, coleções muitas vezes doadas – que em nosso país tem conservação problemática, razão pela qual a Assembléia Legislativa do RS vai tratar do tema. A Iara Bravo também fala de uma iniciativa excelente, o Projeto Aguapé, apoiado pelo Rotary, e que visa, entre outros objetivos, a reflorestar as margens do Gravataí, medida mais que oportuna nessa época de enchentes.

Já a vereadora Fernanda Melchiona anuncia a criação, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, de uma Frente de Incentivo à Leitura, a ser lançada no dia 24 próximo.

Agradeço as mensagens de Renato Lampert, Claudio Berni, Teresina Muller, Carlos Boaretto, Simone L.Berti, Valderi da Silva, dos drs. Telmo Kiguel, Luiz Carlos Tovo, Maria Augusta Correa

O lendário pianista Norberto Baudalf está lançando, aos 81 anos, seu primeiro CD solo e será homenageado pela Prefeitura de Porto Alegre com o prêmio Mérito ao Patrimônio. Baudalf deliciou gerações de gaúchos e porto-alegrenses.

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