Entrelacos

13 de setembro de 2009
N° 16093 - DAVID COIMBRA

A morena e o bonitão

Uma amiga minha, ela é morena, atraente, bem-humorada, anda pelo mundo em cima de longas pernas tão sólidas quanto macias. Essa amiga contou que, tempos atrás, conheceu um sujeito por quem se encantou ao primeiro bater de pestanas. Ele tinha corpo de Usain Bolt e porte de Brad Pitt, seu sorriso era cheio de luz, e ele gostava de rir. Minha amiga gosta de homens que gostam de rir.

Estavam em uma roda de umas seis ou sete pessoas, e o tipo se destacava contando histórias, fazendo graça, sempre com bom gosto, que ele parecia um rapaz educado. As mulheres gostam de rapazes educados.

A beleza rútila da morena logo chamou a atenção do gajo, e ele em pouco tempo só falava olhando para ela, tentando impressioná-la, chegando-se para o lado dela, cercando-a, aproximando-se como um felino preparando o bote.

O coraçãozinho dela já batia fora de compasso, tudo ia bem, até que o galã, em meio à narração de um caso, disse:

– Aí caiu a carga dentária dele!

Minha amiga estremeceu. “Carga” dentária??? Talvez tivesse ouvido mal. Tentou confirmar: – Caiu o quê? – A carga dentária dele!

Bitz. O interesse dela se esvaneceu na hora. O bonitão enfeou. E o romance acabou antes de ter começado. Português é eliminatório para as mulheres, saiba disso, rapaz. Já vi um cara ser desclassificado por causa de um seje.

Mas não são apenas as mulheres que exigem concordância perfeita. Esses dias ouvi um político engolir os plurais, e tive ainda mais certeza de que o Senado precisa ser fechado.

Errar a pontuação em entrevista de emprego também pode ser decisivo. O mesmo vale para técnicos de futebol. Eles são chamados de “professor”, espera-se sabedoria deles. Logo, têm de caprichar no discurso. Resultado: agora os professores falam em atacantes “flutuando” atrás da zaga.

E aqui, no Rio Grande, temos dois campeões do verbo. Autuori fala em “densidade no meio-campo, entendendo-se por densidade como a resultante entre velocidade e força”.

Muito bom isso. E o Tite fala em P.I. Trata-se de uma sigla: Posição Inicial. “A P.I. do Guiñazu é na frente da área, mas ele pode se projetar”. Essas coisas. Como queria assistir a uma preleção dos nossos mestres.

Entrevista coletiva

Depois de mais uma vitória estrondosa da Seleção Brasileira, uma goleada sobre algum adversário poderoso, Dunga irrompe na zona mista para a entrevista coletiva. A primeira observação de um dos repórteres, evidentemente, é uma provocação:

– Bom dia, Dunga.

Nosso técnico não pode suportar tamanho deboche. Briosamente, rebate:

– Bom dia? Bom dia??? Só se for pra vocês da imprensa, que não foram acusados de perder a Copa de 90! Eu fui! Fui! Só eu sei como sofri.

O segundo repórter parte para o ataque:

– A Seleção jogou muito bem, não, Dunga?

Dunga respira fundo. É difícil se controlar diante de tamanha injustiça.

– Ah!!! Jogou bem porque não jogou como aqueles reboladinhos de 82! Porque vocês, da imprensa, queriam isso: queriam que a gente jogasse como os reboladinhos de 82! Pra vocês é isso que é jogar bem! Vocês não queriam ser campeões em 94. Não queriam! Eu sei disso. Eu sei! Sei como sofri!

O terceiro repórter é ainda mais agressivo:

– Dunga, você foi um jogador vencedor. Foi campeão do mundo, foi um sucesso na Itália. E agora é um técnico vencedor, classificou a Seleção antecipadamente. Isso tudo o deixa realizado?

O treinador desfere um soco na mesa. Vira-se para os jornalistas dos outros países. Desiludido com a perseguição inclemente, desabafa:

– Viram como é a imprensa brasileira? Viram??? Querem que eu diga que estou realizado agora para me tirar da Copa do ano que vem. É sempre assim. Sempre! Querem minha cabeça, tronco e membros. Querem acabar comigo. É duro. Só eu sei como sofri!

Dito isso, o técnico se levanta e sai da sala, indignado. A imprensa, realmente, não dá tréguas para o treinador de todos os brasileiros.