sexta-feira, 25 de setembro de 2009



25 de setembro de 2009 | N° 16105
PAULO SANT’ANA


Pensamentos íntimos

Basta que se faça um bem para uma pessoa e, passado algum tempo, ela retribuirá com o mal.

Quem semeia o bem logo colherá o mal. Isso não é uma verdade absoluta, mas se trata de uma verdade corriqueira. E fatal, e inevitável.

Parece que é uma ampulheta. Tudo que você dedica de amparo, ajuda, afetividade, auxílio a uma pessoa, ali adiante ela devolverá em mal, em agressão, quando não em desprezo ou indiferença, mas principalmente em mal.

Essa lei da vida é uma desgraça, porque ela caminha no contrafluxo da caridade, do amor ao próximo, da solidariedade.

Explico: essa lei espúria da vida desanima a pessoa que quer fazer o bem, ela passa a enxergar como um inimigo em potencial toda outra pessoa que lhe pede ajuda. Fica ela logo aguardando que dali daquele objeto da sua afeição logo virá uma traição.

De cada pessoa suplicante corresponderá uma punhalada sangrenta. A cada beijo, corresponderá uma bofetada. A cada carinho, um safanão.

Quanto mais abrires tua bolsa e teu alforje para alcançar alimentos para quem te suplica compaixão, mais serás atingido pelos golpes contundentes ou incisivos do teu beneficiário.

Quanto mais fores cordial, sorridente e compassivo com quem necessita de ti, mais dele receberás como pagamento manobras insidiosas ou ações de agressividade ímpar e surpreendente.

Isso é como diz meu poeta Augusto dos Anjos na mais célebre das suas criações:

Toma um fósforo, acende teu cigarro.

O beijo, amigo, é a véspera do escarro

E a mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nesta boca que te beija.

Cometi esta semana um erro imperdoável. Ao citar uma das obras primas de Lupicínio Rodrigues, denominei-a de Aves de Rapina, quando o título verdadeiro é Aves Daninhas.

Perdoem, deve ser porque eu já estava dominado pela revolta contra as aves rapineiras da ingratidão.

Mas apesar da maldade das pessoas, apesar da infinitude dos gestos incordiais, do mau humor de atos agressivos, da ausência de limites para o não reconhecimento das obras mais nobres de que se beneficiam os devedores, apesar da bondade que é replicada com violências de desagradecimento, apesar da caridade ser paga com a crueldade, o mundo ainda há de ser viável, restará ainda a esperança de que se regenerem os maus e prevaleça o bem a presidir todos os gestos inter-relativos aos homens.

Não há de ser só de falta de gratidão que regerá a bolsa de pagamentos e recebimentos dos seres humanos.

Um dia o sol nascerá dessas sombras de irreconhecimento.

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