sexta-feira, 11 de setembro de 2009



11 de setembro de 2009 | N° 16091
DAVID COIMBRA


O salvador do Brasil

Hoje ninguém mais se lembra do que era viver abaixo de hiperinflação. É sempre assim com a dor. Na hora em que está latejando, nada é mais importante do que a dor. Você faz tudo por ela. Para acabar com ela. Você faz promessa. Você reza. O que seria de Deus se não houvesse dor?

Provavelmente não existiria. Porque, extinta a dor, você não reza mais. Esquece-se de Deus, esquece-se do que sofreu. Trata-se de uma sabedoria instintiva do espírito humano. Não fosse assim, se você não esquecesse do que é ruim, você viveria assombrado. Viveria preso a todo o mal do passado.

Esquecer da dor permite que você siga em frente, portanto. Mas lembrar do que ela significou e do remédio que a curou é saudável – evita que volte.

A hiperinflação doía. Os preços dos produtos aumentavam duas vezes por dia. Às vezes três. Os supermercados inventaram a pistola remarcadora de preços. Imagine todas as mercadorias de um supermercado mudando de preço duas vezes por dia. Havia um cara contratado só para fazer isso.

Ele percorria os corredores do súper com aquela pistola. Você ia comprar uma lata de massa de tomate.

Entrava no corredor da massa de tomate e quem estava lá? O remarcador. Se ele estivesse no meio da estante, você saía correndo, voava até o fim do corredor e pegava uma lata com o preço velho. Volta e meia, um remarcador mais cioso do serviço corria atrás da massa de tomate para remarcá-la. Desgranido.

Os salários eram aumentados de 15 em 15 dias. Um reajuste a cada duas semanas! Mas, ainda assim, o valor real do salário era corroído pela metade em seis meses. Por isso, ninguém andava com dinheiro no bolso.

Aplicava-o em fundos que rendiam, por dia, o que a poupança rende hoje por mês. Os governos tentaram de tudo para acabar com a inflação. Nada funcionou. Até o Plano Real.

O Plano Real está completando 15 anos. Deveria ser festejado em carnavais e procissões. O Plano Real foi genial em sua concepção. Porque levou em conta a personalidade do brasileiro. Nada foi imposto.

Nada foi compulsório. O Plano Real foi suave e negociado, como deve ser com os brasileiros. Foi aplicado na medida certa, precisa, incorrigível, porque não se corrige o que está perfeito.

Os brasileiros foram se adaptando aos poucos à nova moeda. Foi implantada a URV, um índice de conversão que teve por objetivo acabar com todos os índices de conversão. A moeda ainda não era o real, era o cruzeiro real. Ou seja: tudo foi acontecendo aos poucos, as pessoas foram se acostumando lentamente à transformação. E o Brasil se transformou. E a dor acabou.

O responsável por isso, ninguém lembra dele. Itamar Franco, um político sem partido, que nem voto tinha, mais conhecido por seu topete do que por qualquer ação ou pronunciamento. Um presidente que governou por dois anos e meio. O suficiente, porém.

Alguém dirá que os verdadeiros gênios foram os integrantes da equipe econômica, Bacha, Arida, Malan, Lara Resende, Gustavo Franco, esses liderados por FHC. Está certo, mas um chefe ruim liquida com qualquer gênio.

Nem Michelangelo resistiria a um chefe medíocre. Para a sorte dele, seu chefe era um papa ambicioso, que teve o bom senso de lhe encomendar a pintura do teto da Capela Sistina, o David de Florença e o Moisés de Roma.

Itamar Franco teve a sensibilidade de deixar que os economistas instaurassem o Plano Real. Salvou o Brasil. Hoje, o Brasil é um país rico, que compra submarino, que distribui dinheiro, que empresta em vez de pedir emprestado.

Por quê? Por causa de um mineiro quase insignificante, comedor de pão de queijo, com topete de Elvis Presley e óculos de Jânio Quadros. Um homem de quem ninguém mais se lembra. Porque dói lembrar da dor.

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