quarta-feira, 30 de setembro de 2009



30 de setembro de 2009 | N° 16110
DAVID COIMBRA


Perdido na floresta de pernas

Pernas de mulher são emocionantes. A loirinha Sândi tinha coxas grossas e desenhadas com o capricho com que desenha um Gilmar Fraga. Eu não conseguia não olhar para as coxas dela. Uma vez, estava sentado num banco de pedra lá no fundo da Coorigha, esperando a turma para jogar bola, e a Sândi apareceu, gingando dentro de uma minissaia de quatro dedos de altura. Veio na minha direção, os olhos azuis faiscando.

À primeira chicotada de olhar, notei que havia um vergão na parte de trás da coxa direita dela. Por pudor, tentei disfarçar, fazer de conta que não tinha visto. Só que ela mal chegou e já se virou assim de ladinho e miou:

– Viu que estou com um vergãozinho na coxa?

Pronunciava coxa assim: coxxxah. Isso me deixava nervoso. Uma coxa dita desse jeito é muito mais suculenta.

Eu ali, sentado no banco, gaguejei: – Ver-ver...gão? Não tinha visto...

– Ó aqui ó – ela se virou mais um pouquinho, ficou toda empinada bem ali, a palmo e meio do meu nariz.

Olhei para o risco róseo na carne branca e lisa. – Nc – comentei.

– Foi o fio da pandorga do meu irmão que passou aqui. Doeu na hora. Agora não mais. Agora está bom. Mas ficou altinho. Quer ver como ficou altinho?

Ergui a cabeça. Encarei-a, aflito. O que ela queria dizer com “quer ver como ficou altinho?” Propunha que olhasse mais de perto? Ou que... oh, Cristo, que tocasse na cicatriz?

Segunda alternativa. Ela sussurrou: – Passa a mão...

Com um milhão de pandorgas, pipas e papagaios, ela queria que eu passasse a mão no vergãozinho dela!

Aí estiquei o dedo indicador da mão direita, esse mesmo dedo que tecla botões de celular, aperta campainhas e faz o número um, esse que já indicou a professoras que eu queria ir ao banheiro e que já parou táxis e ônibus na rua e que já deflorou bolos de chocolate.

Pois estiquei esse dedo e o fiz voar, trêmulo, até aquela marquinha rosada, e esfreguei-o ali, e quase chorei de felicidade. Era a primeira vez que eu tocava numa coxa de mulher.

A segunda vez não foi numa coxa alva de loira. Foi numa coxa bronzeada, da cor de canela, da morena Alice. Nós dois estávamos no Fusca verde do pai dela, estacionado bem em frente à Tenda do Seu Zequinha, e a Alice vestia um short branco que, por Deus, faz parte da história da minha vida. Abracei-a pela cintura e, lentamente, ardilosamente, fui descendo a mão. Descendo, descendo, rumo às... coxas!

Hoje ninguém mais colocaria ponto de exclamação depois de coxas, sei bem disso, hoje qualquer adolescente espinhudo tem vasta experiência em coxas, mas naquele tempo as coxas de uma mulher eram um território que poucos guris podiam se gabar de conhecer com intimidade, faziam parte da nossa mitologia, eram um prêmio quase inatingível. Dizíamos, entre nós:

– Quando vou alisar uma coxa de mulher pela primeira vez?

Por isso, quando finalmente empalmei as coxas de Alice e as acariciei com sofreguidão, pensei: não acredito que isso está acontecendo comigo, não acredito! Obrigado, Deus. Obrigado!

Foi bem isso o que pensei e, ao sair do Fusca verde do pai da Alice, sentia-me tonto de emoção. Fui para casa, deitei-me ao comprido no sofá e, ainda experimentando as vertigens do prazer, disse para mim mesmo que a vida é boa, é boa, é boa.

Coxas de mulher são emocionantes.

Agora calcule a minha situação: certa tarde, estava entre essas quatro coxas, as dourado-escuras de Alice e as dourado-claras de Sândi, mais as bem fornidas de Josie, as compridas de Ariadne, as macias de Débora, todas as gurias vestiam short naquele entardecer de verão, e o mundo parecia tão belo, tudo parecia exatamente em seu lugar, aí o céu azul-Grêmio começou a ficar azul-Cruzeiro e logo se tornou preto-Botafogo e o ar se transformou em um ar pesado e vibrante.

Era a tempestade de verão que se aproximava.

Olhamos para o céu, eu e as minas, e eu ali, no meio daquela floresta de coxas, só eu de homem entre tantas belas, e sabe o que pensei? Vou confessar exatamente o que pensei. E-xa-ta-men-te: que vontade de jogar bola na chuva! Foi isso que pensei.

Então, como se tivessem ouvido os meus pensamentos, os guris chegaram correndo de algum lugar. Vinham em matilha, o Barnabé, o Plisnou, o Cavalo, o Anão, o Tosão, o Diana, o Zoreia, o Barril, o Languiça, o Mochila, o Apara Peido, o Fio, o Zé Índio, o Beto Zúqui, e outros mais, e alguém levava debaixo do braço a bola vermelha do Zé Fernandes, e eles gritavam:

– David! Vamos jogar na chuva lá no Alim Pedro, David! Vamos! Vamos!

Olhei para as pernas todas das gurias à minha volta. Umas estavam com as pernas cruzadas; outras paradas, com o peso do corpo apoiado numa única perna; uma tinha as mãos à cintura; uma se espreguiçava, adoro ver uma mulher se espreguiçando; e todas aquelas pernas reluziam como um cântico à glória da obra da Mãe Natureza. Mas os guris corriam para o Alim Pedro, e imaginei o jogo na chuva e no barro, a gente escorregando e caindo e rindo e levantando lama e água, e disse:

– Tiau, gurias! Enquanto corria para o Alim Pedro, ainda ouvi a Alice me chamando:

– Davim...Elas falavam Davim. Era legal. Mas jogar na chuva também era. Pode não ser o melhor para jogo valendo três pontos, mas que é divertido, isso é.

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