quarta-feira, 16 de setembro de 2009



16 de setembro de 2009 | N° 16096
DIANA CORSO


A impostora

A mais famosa sobrevivente da tragédia do 11 de setembro não existe: era Tania Head, que chegou a ser presidente da associação de sobreviventes. Alegava ter fugido da Torre Sul enquanto seu noivo, David, morria na Torre Norte. David tampouco existia.

A verdadeira chamava-se Alicia Head e, pelo jeito, sequer estava em Nova York no dia da tragédia. Apesar disso, sua capacidade de expressão e grande iniciativa ajudaram muito àqueles afetados pela tragédia, por isso muitos deles não conseguem condenar-lhe a impostura.

Ela nada ganhou, fora uma fama que de nada lhe serviu, pois, depois de desmascarada, desapareceu. Pairam boatos de que se suicidou. Sobre ela, ninguém mais sabe o que é real.

O que leva alguém a inserir-se numa tragédia que esteve no centro dos olhares do mundo é fácil entender. Ninguém em sã consciência gostaria de estar lá, mas, uma vez ocorrido e divulgado em tempo real, como foi o caso, todos estivemos lá.

Ela apenas tomou isso ao pé da letra. O presidente Bush alegou ter visto na televisão o ataque no momento em que foi avisado por um assessor, o que é impossível, pois as imagens ainda não estavam disponíveis para serem divulgadas.

É uma falsa memória. Tal equívoco é atribuído a uma construção tardia do fato traumático. Uma das formas de lidar com o trauma é inserir todos os dados e imagens disponíveis, preenchendo lacunas para ver se terminamos de entender uma experiência que nos parece insuportável.

Com as Torres Gêmeas, os terroristas miraram num símbolo e conseguiram acertar no sentimento de segurança global. Um ataque no coração de Nova York foi a mais espetacular ameaça que os americanos já receberam. Isso faz com que as imagens das torres caindo façam parte da memória de todos nós, que lembramos com surpreendente precisão onde estávamos e o que fazíamos quando ficamos sabendo da tragédia.

Se bem que o buraco físico nunca foi tapado, o simbólico é sistematicamente recoberto com memórias, testemunhos, imagens repetidas, homenagens e relatos.

É aí que a personagem Tania cumpriu sua função. Revelou-se uma narradora privilegiada, sua história inclusive ia transformando-se, incorporando dados novos, personagens importantes do drama.

No papel de Tania, Alicia provou que o relato daquele que se sente marcado por algo que não viveu pode ser ainda mais tocante do que o dos verdadeiros sobreviventes. Suas histórias inclusive os ajudaram a elaborar o trauma, conforme eles mesmos reconhecem. A ficção pode ser mentirosa, mas seus efeitos são reais.

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