quarta-feira, 16 de setembro de 2009


por Ricardo Bonalume Neto

O amor: focas treinadas e pias molhadas

Era uma vez um sujeito que morava com uma sujeita. Vamos chamá-lo de Ricardo, por falta de nome melhor. Ricardo e M. Fernanda ficaram juntos alguns anos. Ela sempre reclamava que ele deixava a bancada de granito onde ficava a pia do banheiro insuportavelmente molhada. O sujeito não conseguia escovar os dentes ou lavar as mãos sem espalhar água liberalmente em torno.

Ricardo depois morou nos Estados Unidos e namorou Carol M.. Freqüentava assiduamente o apartamento da moça. Um dia ela reclamou que ele deixava a bancada de granito onde ficava a pia do banheiro insuportavelmente molhada.

M. Fernanda e Carol M. tinham pouco em comum -além de bonitas e inteligentes, como todas as suas mulheres-, eram de nacionalidades diferentes; uma baixa, uma alta, uma morena, uma loira. Mas a reclamação era a mesma. O tal Ricardo era, e provavelmente continua sendo, incorrigível no seu relacionamento com pias. E com mulheres.

A história teria sido diferente, quiçá, se outra americana, Amy Sutherland, tivesse escrito seu bombástico artigo no "The New York Times" vários anos atrás. E uma das duas moças o tivesse levado a sério.

"O que Shamu Me Ensinou Sobre um Casamento Feliz", é o título do artigo publicado na seção "Amor Moderno". Shamu é uma orca, a popular baleia assassina treinada para saltar e impressionar turistas. Sutherland mostra como usou os mesmos métodos de treinamento de animais exóticos para corrigir traços desagradáveis (na sua opinião) do marido Scott.

Foi o que bastou para o texto do site do jornal americano virar o mais enviado por e-mail por um bom tempo, dando origem até a um subproduto, uma coluna da jornalista Maureen Dowd, "Como Treinar uma Mulher", mostrando que os homens também podem tratar suas companheiras como bichos domesticáveis.

Sutherland escreveu um livro sobre o treinamento desses animais. E, ao fazer a pesquisa, descobriu métodos que poderia testar em Scott.

"A lição central que eu aprendi de treinadores de animais exóticos é que eu devo recompensar o comportamento de que gosto e ignorar o comportamento de que não gosto. Afinal, você não consegue fazer um leão marinho balançar uma bola na ponta do nariz reclamando. O mesmo vale para o marido americano", diz a moça.

Scott e a mulher aparentemente não têm problemas com pias secas ou molhadas. Mas ele vive perdendo as chaves e grita dizendo que perdeu; se atrasa para encontros; deixa roupa suja no chão; e fica zanzando em volta da patroa quando ela está concentrada cozinhando.

Amy Sutherland usou várias técnicas. Foi difícil, mas passou a ignorar as explosões do marido em busca das chaves perdidas. "A idéia é que qualquer resposta, positiva ou negativa, gera um comportamento. Se um comportamento não provoca resposta, ele tipicamente desaparece."

Então, ela passou a criar alternativas para tornar o comportamento indesejável incompatível com outro mais atraente. Por exemplo, deixando comida em pontos estratégicos na cozinha para evitar que ele ficasse atrapalhando quando ela fazia o jantar.

A grande lição, meninas, é que elogiar é melhor que azucrinar. Façam como Amy: elogiem cada meia que ele consegue acertar dentro do cesto de roupa suja, ignore as que caíram no chão e ali ficaram.

Ela não resistiu e contou ao marido que ele tinha virado cobaia. Ele, sujeito esperto, achou engraçado. E começou a usar as mesmas técnicas para domesticar a mulher...

Claro, o ser humano é mais complexo que babuínos ou focas ou orcas. Mas uma influente corrente psicológica não deixa de estar por trás das reflexões de Amy. Não por acaso, se chama "behaviorismo"; "behavior" é "comportamento" em inglês.

Lembra do ratinho que levava choque em experimentos? Ou dos cachorros que salivam com campainhas? Pois é, esse tipo de comportamento foi estudado por uma das grandes influências da corrente, o russo Ivan Pavlov. "Yeah, quando você chama o meu nome/ Eu salivo como um cachorro de Pavlov", diz uma letra de música dos Rolling Stones.

Amy procura recompensar pavlovianamente seu marido, às vezes com beijinhos. Pudica, não fala de sexo. Alguns dos milhares de internautas que espalharam o texto comentam que faltou isso... A recompensa ideal.

O problema com o behaviorismo é sua noção básica de que todo comportamento é determinado por fatores como a genética ou o meio-ambiente. Não teríamos essa coisa bonita e misteriosa chamada livre-arbítrio.

O tal Ricardo continuou molhando pias pela vida. Outra ex-mulher, Lúcia H., reclamava, mas não tanto como as anteriores. A atual Namorada não vive com ele em torno da famosa pia, para sorte do relacionamento de ambos.

Melhor ainda, a pia dela não tem uma bancada de granito em volta.

O amor está salvo.

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